Obrigado pelo porco.

‘Eu não sou nada especial, mas quando levado ao fogo e consumido com pinga, meu talento se releva maravilhoso’, teria escrito Bjoern Ulvaeus (ABBA) se tivesse comido o porco de um restaurante de esquina, no centro de São Paulo...

Falamos de comida agora? Quando não o fizemos?

A vida, enquanto circunstância dos próprios momentos, nos tange na busca do prazer, do bem-estar. Há em cada ‘welfar state’ um bem identificado ‘welfar eating’ ou um ‘welfar drinking’ a nos espreitar a caminho de casa – onde ‘há um bar em cada esquina’, conforme Francisco...

O fato de pinga e porco terem, sempre, dialogado no interior do país talvez explique a felicidade do caipira em oposição ao blasé dos ‘porra da gleba’. Bocaina e Fernandópolis são provas vivas dessa tradição caipira que une homem, bebida e comida – Francesco Gregori e Zé Renato Mantovani, londrinenses por opção, podem melhor tratar o tema...

Voltemos a pinga, todavia. Quando ela escorre na ferida viva que a vida não faz questão de cauterizar, é o porco a descer adocicando o sal da terra quem sela a maravilha que o caminho do gole produz.

Seguimos assim felizes, redivivos e gratos – pela música, pela comida, pela bebida – e nisso vem se resumindo nosso patrimônio ao longo da aventura humana na terra. Há, todavia, quem não goste de pinga, nem de porco. Para esses reservo meu melhor pensamento e profundo pesar pelo desgostar, conquanto gosto é gosto e não gostar gera desgosto. É isso mesmo?

Noves fora o gostar, enquanto espectadores da vida (uns são, outros não, alguns vão...), aprendemos convolar nossa aventura cotidiana no que está por vir. Amanhã, diria Scarlet, será outro dia...

O amanhã tem valido o hoje, em rematado equívoco existencial...

Haveríamos, então e assim, de experimentar o que não conhecemos, suposto que conhecer poderia ser gostar – que o gosto tangido no desgosto não é gosto desgostado, mas sim solidão ou ignorância, quando não os dois em um só conceito...

Enfim; redimidos pela expectativa do encontro, talvez seja hora e lugar de nos colocarmos a pensar no mundo novo que estamos a criar, já que ele se anuncia inevitável...

Porco e pinga farão parte desse novo mundo a contento e, creio, o sorvete de massa de nossa infância na pequena Fernandópolis (e eu já falei de lá duas vezes, para quem me acusa de esquecer de onde vim) também.

O que não terá lugar (não deveria ter) será a elitização de pinga, porco e de sorvete. A mesa deverá ser farta para todos, não mais para poucos. Nosso desafio, entretanto, será traçado na partilha não só de pinga e porco, suposto que qualquer equação elitista que envolva o espectro social não terá mais sentido.

É que as demandas recorrentes dos últimos três séculos ajudaram a construir a Belíndia (onde pinga ou porco não são senão desânimo cristão) e, penso, a pandemia talvez seja um sinal, uma oportunidade, na medida em que cuidar do planeta e inserir os descamisados demarcaria nosso reencontro com a racionalidade, em resgate ao ideário cristão.

A benção Pai – que a saudade só faz crescer.

João dos Santos Gomes Filho é advogado em Londrina