Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - O velório e o velório de Mansur...
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Não sou de entusiasmar com velórios. O último que me chamou atenção foi o de Quincas (o Berro D’água), que conheci na venda do Lopes. Quem gostava ou ainda gosta de um bom velório é o Eduardo Gordo (nunca entendi o motivo).

Tampouco achava que esse meu sentimento de distância de velórios seria abalado, até receber os vídeos (que todo mundo anda recebendo) do velório festivo do médico Mansur Miguel Mitne. Os familiares e amigos do médico ensinaram (ao menos para mim) como se despedir de quem amamos – nem o finado Quincas teve uma despedida a altura...

Isso não quer dizer que você que virou a cara para a despedida festiva do Dr. Miguel, por apego à ortodoxia da dor, esteja certo ou errado ao analisar o que passou no velório festivo do médico...

A dor é a dor e ela dói. Muitas vezes além da própria tragédia. Isso é tudo que consigo imaginar do sofrimento que me persegue desde o enterro de Dona Lídia (minha outra mãe), de meu amado Pai e do Renatinho (meu outro filho).

A dor da morte é diversa das dores que a vida me trouxe, naquilo que irradia sementes cujos frutos crescem da agonia e negam as próprias raízes, suposto que cerra as portas (para sempre) do bar da vida...

Não imagino a venda do Lopes descolada da alegria que molha palavra e desafia a dor de viver. Tampouco imagino Quincas sem a cachaça do Lopes. Todavia dor e felicidade não compõe o coletivo da ordem natural das coisas – ao menos para os existencialistas, cujo papo (Kierkegaard ao final das contas) sei de cor.

Há, ademais, todo o entorno de viés católico que desenha uma outra vida em um outro plano. Valorizo ao máximo a possibilidade da vida após a vida e, exatamente por amar tanto viver, ainda não descartei totalmente o conceito. O que pega é meu apego exagerado aos botecos daqui...

O velório do dr. Mansur, entrementes, projetou no preto e branco de minha vida colorida (suposto que a vida é por ai) um longa-metragem (Agnès Varda, baby) questionador de minha visão estreita sobre o tema da morte...

Ainda que a morte siga sendo sofrimento ela é, também, lembrança – afinal você só sofre porque lembra e, como disse o velho Gancho naquele boteco de Montevidéu: sem lembrança não há sofrimento...

Gancho, um dos grandes caras que a vida me apresentou, bem sabe a dor da partida...

Mas não é só a dor da partida que machuca. Lembro de tanta coisa que dói, mas não sofro tanto se da lembrança não restar a agonia da situação definitiva. A morte é para sempre, pra quem fica, e ela define o ideário de dor que nos abraça...

A agonia da morte era, para mim, uma verdade absoluta até o velório festivo (como está posto no santinho) do Dr. Mansur. Seus filhos e amigos, ao se atreverem desafiar a dor, celebraram a vida. Fica a dica (para os ortodoxos): as lembranças de vida plena são muito mais significativas. A vida em excesso que o velório celebrou me fez repensar os modelos de dor...

Não penso, todavia, reescrever a história que vivi, suposto que a agonia é parte dela – mas acredito em novos caminhos. Nesse particular ver aquela gente que se despedia enchendo e esvaziando copos, cantando e corando, sorrindo e chorando a se despedir do doutor Mansur, lembrando que o falecido viveu em suas/nossas vidas uma plenitude que não anda de mãos dadas com a dor, me fez crescer para a falibilidade da vida em polo de convívio com nossas expectativas.

Não conheci Mansur (doutor agora me parece formal em excesso) em vida, mas já lhe sou parceiro de boteco. Tenho lembranças de muitos goles partilhados na venda do Lopes. Mansur me apresentou um até então desconhecido sentimento pós velório – temo que, depois de seu velório, os demais serão apenas ritos de passagem e nada mais...

Não sei se Mansur era Corinthiano. Tenho quase certeza que sim. Aliás e para ser honesto comigo e com vocês, espero que sim. Mansur, meu velho, você tem que ter sido Corinthiano...

Não sei se ele gostava de jazz, se leu Fante, se teve um trenó que não chamou de Rosebud, se era leitor desta Folha, se esteve algum dia em um lugar chamado Notthing Hill, se gostava de marrecos...

Isso tudo não importa. De Mansur sei que ele já é história e será, para sempre, meu mais novo parceiro de boteco, daqueles que fazem a gente rir e chorar, mas não desapegam de nossas lembranças.

Aos amigos e familiares peço licença para, na missa de sétimo dia, tomar um gole por Mansur, levantando um brinde ao personagem que venceu Quincas e se revelou tão extraordinário a ponto de permitir a seus filhos e amigos sublimarem a dor de sua partida em sua história de vida – isso ficou transparente no velório festivo.

Grande cara esse Mansur. Daqueles que são maiores que a morte. Podia ter ficado por aqui mais uma tantada – afinal a vida clama por personagens desta envergadura, cuja visão de mundo (desenhada em seu velório) impõe a narrativa para a própria vida...

Felizes os trópicos por você, Mansur.

Saudade pai, espero que tome umas por aí com o Quincas e com o Mansur. Ah, Pai, se ele não for Corinthiano, está na tua mão a salvação, suposto que nunca é tarde, conforme aprendi com o velório festivo.

Parabéns aos envolvidos na despedida.

João dos Santos Gomes Filho, advogado que lamenta não ter conhecido o Mansur

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina.

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