Há algumas semanas o Brasil bateu recorde em números de mortes em decorrência da infecção por Sars-CoV-2 totalizando quase 370 mil mortes, sendo a média/dia de mortes quase 4 mil. Neste contexto, vivemos o ebulir de opiniões, discussões e agressões (violência) diante das medidas de contenção/prevenção da pandemia que se expressam nas múltiplas formas em lockdowns, fechamento ou não de templos, de comércio e etc.

Experienciamos um profundo cisma dentro das instituições religiosas e políticas que tendem a classificar inveridicamente as posições de apoio ao distanciamento social e a Campanha Nacional de Imunização como uma “tomada comunista/esquerdista”. Alguns padres e pastores, em suas prédicas, chegam, por exemplo, a dizer que de 1281 casos de infecção por Covid, só 281 são verdadeiros, o resto é mentira, levando-nos a entender – insanamente - que ser racional e científico é uma agressão a Deus, à religião.

Não podemos também comparar ir à missa, como andar de ônibus, pois, são coisas ambíguas, com finalidades díspares. As pessoas, em sua grande maioria, não andam de ônibus porque gostam, mas por falta de opção, questão de subsistência. Parece que se perdeu a noção da realidade social. Desta forma, podemos traçar um olhar analítico sobre a situação pastoral da Igreja hoje, que sofre um processo de involução do Concílio Vaticano II na pessoa de seus pastores e fiéis que ainda insistem em uma pastoral de conservação que pouco ou nada evangeliza na era moderna (ou pós-moderna) como nos diz a Conferência de Medellín (Med 6,1) e lembra a Conferência de Aparecida (DAp 370).

Essa concepção eclesiológica acredita que os sacramentos salvam por si só, os veem por muitas vezes como uma “vacina espiritual”, “uma mágica” ou até mesmo um “esoterismo profundo”. Esse tipo de pastoral não busca observar os seus efeitos, mas apenas a sua ação sacramental, portanto, um modelo ligado à cristandade – que não evangeliza.

Já o Concílio Vaticano II supera esta forma eclesiológica, pois, se propõem a fazer uma pastoral ativa e consciente pela volta às fontes bíblicas e dos Santos Padres da Igreja (Patrística). Constata-se que no centro de atuação da pastoral secularista, se há um profundo deslocamento da ação profética da Igreja para um estado terapêutico subjetivo.

Isso se manifesta claramente nas espiritualidades de Coaching Espiritual: uma mudança também do estado ético para o estado estético, que ambas representam e são a criação/surgimento de comunidades massivas que produzem comunidade de pessoas invisíveis, sem vínculos afetivos comunitários, produzindo membros sem espírito de pertença.

Muitos pastores, neste tempo, exercem uma banalização da religião, que não somente a reduz a uma esfera particular-material, mas como também criam uma religião para entreter um público específico (estetização presentista), que proporciona uma série de sensações “in-transcendentes” dando a falsa percepção de pertença a uma comunidade/paróquia ou até mesmo de uma evangelização efetiva (comprometimento).

O advento do Concílio Vaticano II, na contramão de muitos padres e fiéis, propõe um reforço eclesiológico da domus eclesiae, ou seja, das igrejas domésticas que foram o alicerce eclesial da Igreja primitiva/apostólica. Tendo em vista que a grande massa das famílias que vão os nossos templos ainda são apenas “telespectadores” do “show da fé” de muitos dirigentes pastorais, não seria a pandemia o momento oportuno de a Igreja tanto que está no Brasil quanto que está no mundo pensar a concretização deste sonho conciliar? Tendo em vista, que a Teologia Pastoral do Concílio Vaticano II está alicerçada na força da graça batismal, que em si mesma torna cada batizado membro ativo da evangelização pelo múnus sacerdotal, profético e régio, à semelhança do Cristo, não seria o momento de criar uma pastoral de fato consciente, que não seja tão dependente da fé dos padres/pastores e que se encarne nas famílias/casas?

Caio Matheus Caldeira da Silva, Doutorando em Teologia, na PUCPR (Câmpus Curitiba)