Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO -  O país mais injusto do mundo
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A economia não está mais centrada na produção de bens e serviços, mas na jogatina financeira, o dinheiro se multiplica sem lastro produtivo e cria bolhas especulativas que estouram de tempos em tempos. Quando isso ocorre, contrariando a doutrina liberal, o grande capital não hesita em pedir ajuda ao Estado, que os socorre via ampliação da dívida pública paga por todos nós, dentro da lógica: “ganhos privados, perdas socializadas”.

A dívida pública é o maior gasto da União. De acordo com o instituto auditoria da dívida cidadã, a previdência representa cerca de 20% do total do orçamento da União, já a dívida pública, considerando juros e amortizações, contabiliza 40%. Essa situação beneficia os mais ricos e alimenta a escandalosa concentração de renda brasileira, a maior do planeta na faixa do 1% superior, que detém 28,3% da renda total do país.

A lógica da concentração econômica segue um percurso conhecido: boa parte dos recursos do estrato mais rico é investida em títulos públicos remunerados com um dos juros mais elevados do mundo. São pagos com impostos que incidem desproporcionalmente sobre consumo, o que recai sobremaneira na classe média e baixa (regressividade tributária), em contrapartida os tributos sobre renda e capital são baixos, o que transfere recursos das classes mais baixas para as mais altas.

A financeirização da dívida pública pela elite rentista torna o estado submisso a suas pautas, que incluem privatizações, desregulamentação das leis trabalhistas e defesa de uma reforma previdenciária e tributária que os beneficia. Por outro lado, demonizam-se sindicatos, movimentos populares e todos os que defendem pautas redistributivas, enfraquecendo-se a democracia que passe a ser tutelada pelo grande capital.

Em 2021 as contas públicas tiveram um rombo próximo a R$ 285 bilhões. Para garantir o seu equilíbrio, o Estado pode atuar de duas formas: reduzir a despesa e/ou aumentar a receita. No campo da despesa, poderia cortar privilégios, o que parece sensato, mas esbarra no corporativismo de grupos insaciáveis que barram qualquer tentativa de redução de benefícios. Por sua vez, a diminuição de gastos com políticas públicas chega a ser uma proposta obscena diante das mazelas superlativas que impactam a maioria da população. Outra alternativa seria aumentar a receita via tributação da parcela mais rica da sociedade, uma das menos tributadas do mundo.

É bom lembrar que a tributação sobre lucros e dividendos (pessoa física) é isenta no país, algo similar só ocorre na Estônia. A alíquota máxima do imposto sobre herança é de 8%, mas a média efetivada não ultrapassa 4%, contra 25% a 50% de países como Estados Unidos, Europa e Japão. Essas mesmas nações contam com alíquotas máximas de IR acima dos 40%, enquanto o teto brasileiro é de 27,5%. Além do mais, o governo federal concedeu no último ano benefícios fiscais de mais de R$ 350 bilhões, o que corresponde a 20% da arrecadação total de R$ 1,878 trilhão. Soma-se o problema da sonegação: a evasão fiscal das empresas é estimada em R$ 320 bilhões a R$ 420 bilhões e o trabalho informal entre R$ 140 bilhões e R$ 180 bilhões, o que totaliza um desvio de R$ 460 bilhões a R$ 600 bilhões, de um PIB total de R$ 8,7 trilhões.

Em síntese, pode-se perceber que saídas existem, mas não se restringem a questões técnicas, são principalmente políticas e éticas. Enquanto a conta não recair sobre os estratos historicamente mais privilegiados, as distorções continuarão a dividir o país e a marcá-lo como o mais injusto do planeta. A desigualdade é antes de tudo uma escolha política, sustentada por um grupo que não quer simplesmente bem-estar, mas sentir-se superior, o que demonstra que o DNA da escravidão continua a marcar o tecido social brasileiro.

Miguel Luzio Santos é professor de Socioeconomia da UEL e autor do livro: Ética e Democracia Econômica (ed. Ideias e Letras)

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