Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - O malabarista
| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

As poucas vezes que frequentei um circo fiquei maravilhado com o desempenho dos malabaristas na arte de manipular objetos com extrema habilidade e precisão. Em Brasília, acuado e acossado com as inúmeras denúncias de irregularidades no Ministério da Saúde e crimes envolvendo os seus filhos, e com a pressão cada vez maior nas ruas, Bolsonaro tornou-se um autêntico e eficiente malabarista. Dos melhores! Tudo faz para manter-se de pé e segurar o que ainda prende uma boa parcela da população, ilusionada.

O show de horrores exige muita arte. Não é para amadores! Assim como não o é, o Brasil! Afinal, foram vinte e sete anos de exímio treino com as armas que disse abominar, mas que esgrime com esmero. O Parlamento, aquele mesmo que na calada da noite ampliou o Fundo Eleitoral de um bilhão e setecentos milhões de reais para cinco bilhões e setecentos milhões de reais, enquanto vinte milhões de cidadãos de terceira passam fome, serviu-lhe de ringue para um bom aprendizado!

Não podemos afirmar que na Câmara nos tivesse proporcionado grandes e dignos espetáculos; os poucos que deu não primaram pela dignidade do cargo. Repletas de homofobia, misoginia e preconceitos vários, temperadas com a paixão pelo totalitarismo, as suas parcas intervenções só foram lembradas, quando o desserviço à nação se consumou.

O malabarismo a que o presidente lança mão está longe de ser inédito. Nisso, ele não foi tão criativo assim. As reformas ministeriais, que com certeza alguns dos leitores atribuirão ao mais sagrado dos direitos do presidente, sempre evocaram uma dança de cadeiras, que em raríssimas ocasiões obedeceram ao critério do bem comum e sucesso geral da nação!

Aliás, a bem da verdade, num sistema como o nosso, o titular da faixa presidencial não é tão livre como pensa para fazer a escolha dos seus ministros. A pseudo novidade está em que Bolsonaro adiantou-se em dizer que o faria sob rigorosos critérios técnicos, ensaiando se distanciar da “velha política”!

Mas logo esse discurso se tornou o paradigma de todos os outros: era fake! Generais foram expurgados, amigos execrados, companheiros de longa data substituídos! Afinal, a manutenção deste status quo lamentável exige muita arte! Não importa se ela se inspira em Montesquieu ou em Nicolau Maquiavel. Confesso que, pelo exagero de realismo no atual governo bolsonático, está bem mais para fazer jus ao italiano!

Manter o centrão na mão - perdão pela infeliz e perversa rima - no momento concreto em que vivemos, não é para qualquer acrobata! Com o tsunami de suspeitas (para ser bondoso) vindas da CPI, a avalanche de bobagens que saem da boca do presidente diariamente e os processos que tramitam no Supremo, conseguir que esse bloco parlamentar continue na base de sustentação do governo exige um esforço hercúleo!

Contudo, essa é a velha nova política a que o malabarista lança mão a despeito do que o país necessita! A tal da reforma ministerial, quando espremida, não passa de simples acomodação de centristas!

O contorcionismo continua na recondução do procurador-geral sem que faça parte da lista tríplice, na indicação de um ministro “terrivelmente evangélico” e porque não, na intimidação, através da Lei de Segurança Nacional, dos que o denunciam abertamente. Mas não para por aí! Quando católicos invadem uma missa no Ceará e xingam um idoso padre italiano porque ele disse, abertamente, que o presidente era cúmplice das mais de quinhentas mil mortes e o mandam voltar “para a sua terra”, é sim mais uma nota desta partitura de horrores!

Bolsonaro merece um prêmio pela sua capacidade de nos confundir, desdizendo o que disse e mentindo de forma contumaz sobre os assuntos mais elementares e outros de extrema importância para o país! Revela-se um artista! Pelo menos, nessa arte de sobrevivência política! Não é fácil continuar governando no atual contexto! Só mesmo um acrobata e um malabarista!

Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos é padre na Arquidiocese de Londrina

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina.

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| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil