ESPAÇO ABERTO - O Bamerindus vive...
PUBLICAÇÃO
sábado, 17 de setembro de 2022
Rubens A Hering
Fundado em 1952, por Avelino Vieira, o Bamerindus tinha 45 anos. Foi há 25 anos, no governo de FHC, em 27 de março de 1997, quando o Banco Central interveio. O grupo paranaense se inseria no conjunto dos quatro maiores grupos econômicos privados do Brasil. Ombreava com Itaú, Bradesco e Votorantim. Foi portanto, a maior intervenção governamental da história econômica brasileira.
Tendo agravada a sua liquidez por incessantes matérias negativas nas grandes mídias, gerou-se a corrida de aplicadores e calotes de devedores, criando as condições para a intervenção. O Bacen separou os ativos bons dos ruins, como em qualquer empresa os há. Seguiu com a venda da operação e do patrimônio nobre, feita ao grupo anglo-chinês HSBC, pelo irrisório valor de 344 milhões de dólares. Diria que foi uma pechincha. Ou, quase doação, eis que leilão não se fez.
Os acionistas brasileiros, dentre eles eu, já amargaram seus irremediáveis prejuízos. Resta-nos a lembrança do fatídico fato sem mais querer caçar bruxas, nem esperar qualquer compensação. O HSBC nunca comprou o Bamerindus. O banco paranaense apesar de toda depredação sofrida, sobreviveu. Solvente que era, teve levantada a sua liquidação e existe até hoje, integrando o grupo BTG Pactual.
Já os ingleses se foram daqui com cofres abarrotados de dólares, descartando o varejo bancário do Brasil, pois esse não lhes seria rentável, disse cinicamente o seu CEO. O que se seguiu em desfavor de parte dos 24.475 empregados, compulsoriamente transferidos ao HSBC, foi infame. Isso é uma chaga aberta que purga e sangra até hoje. Mas, não será por mais muito tempo, espera-se. Haverá de ter alguém nas instâncias de poder da república que porá a mão pesada nisso.
O Bamerindus já sob intervenção do Bacen, na data base de março de 1997, contratou um programa de complementação de aposentadoria por renda mensal e pagamento único com subsídio de Seguros de Vida e Saúde. O Contrato beneficiou somente 686 já aposentados e 1.155 empregados ativos admitidos antes de 05/1977 e compulsoriamente transferidos ao HSBC. O fez mediante pagamento à vista de R$ 430 milhões, equivalentes na data a 381 milhões de dólares, correspondendo ao Passivo Atuarial Total a Descoberto, os quais foram no mesmo ato, pagos à vista ao HSBC.
Assim, o plano previdenciário existente desde 1968, denominado APABA, foi totalmente capitalizado, repactuado e novado por contrato. Manteve-se parte das condições antigas e criou-se direitos e obrigações legais novas. Um benefício é o de Renda Mensal Vitalícia de 25% da remuneração final do aposentando. O outro é de Pagamento Único, um prêmio de 5 a 25 salários, pagos a todos os empregados na sua rescisão laboral por aposentadoria, desde que tenham mais de 15 anos de casa. Esse era apelidado de “Apabinha”, ou “Lump Sum” em inglês.
À luz da Lei 6.435/77, vigente então, o HSBC tinha 120 dias para constituir um Fundo de Pensão para a gestão legal e regular desses recursos. Não o fez. Rasgou a lei brasileira. Manteve esse valor em tesouraria bancária como Fundo Contábil. Infringiu o seu próprio estatuto, eis que um banco não pode operar previdência e seguros. Só em 2003, portanto com intempestividade de mais de seis anos constituiu o Fundo de Pensão hoje existente. Antes demitiu centenas de participantes ativos, correspondendo à cerca de 40% da reserva do plano de renda e seguros, cancelando seus futuros benefícios.
O Plano de Pagamento Único “Lump Sum” cancelou-se em 2001, mediante apropriação do saldo da reserva em receita do HSBC. Somados os cancelamentos dos três tipos de benefícios, temos após aplicado esse dinheiro à taxa Selic e convertidos, cerca de 400 milhões de dólares de suposto esbulho em desfavor da massa segurada de participantes. Os juros brasileiros de lesa-pátria maiores que a variação do câmbio produzem esses milagres financeiros.
Em suma, o HSBC pagou a operação Bamerindus com as sobras do cancelamento de Reservas de Benefícios, do que desde sempre deveria ser um Fundo de Pensão de grupo fechado, onde ninguém entra e ninguém sai. Ao longo de 20 anos as remessas de lucros do HSBC Brasil para a sua holding inglesa, como dividendos e juros de capital próprio, foram de cerca de 3 bilhões de dólares.
O Bradesco, em 2016, adquiriu o Banco HSBC no Brasil, hoje Kirton Bank, pagando 5,2 bilhões de dólares. Isso significa que o Banco anglo-chinês deixou o Brasil capitalizando mais de 8 bilhões de dólares em favor da sua holding. Já o BTG, em 2013, após levantada a liquidação, comprou o Banco da parte “ruim” e pagou o equivalente a 200 milhões de dólares pelo CNPJ.
Finalizo, afirmando que o Bamerindus nunca quebrou nem esteve falido. Inviabilizaram-no operacionalmente de forma torpe e planejada no mercado e nos meandros torpes da política partidária. Em crise de liquidez, mas solvente, o depreciaram ao quase nada em favor do adquirente sino-inglês.
Ao final das contas, somados os dólares do que rendeu em dividendos por 20 anos e o que o Bradesco pagou ao HSBC em 2016, o Bamerindus valeu ao câmbio camarada de 5,00 e a valor presente, cerca de R$ 40.000.000.000,00. Sim, são quarenta bilhões de reais.
Finalmente, para os seus acionistas restou a usurpação. Para os empregados foi o esbulho. Para o Paraná e o Brasil foi um golpe de lesa-pátria. Já para os demais envolvidos foi um negócio da China. O tempo passa, o tempo voa...
Rubens A Hering - Economista e Consultor em Previdência Privada.
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