Foram quase quatro minutos. Cabeça colada no chão, prensada por um segurança surdo aos gemidos desesperados por socorro. Quinze testemunhas olhando, impávidas, o fim de um homem de quarenta anos. Números! Números que gritam. A cada dez assassinados pela polícia no Brasil, oito são negros! A cada cem mil habitantes, trinta e oito mortes violentas! De negros! De brancos, são doze!

Antigamente, no século passado, quando queríamos impressionar e sensibilizar, usávamos o poder dos números. Velhos tempos! O negacionismo veio pra ficar. Pelo menos por enquanto! Quanto mais números, mais irritação e revolta de quem não acredita neles ou que eles digam algo importante! Recorrer aos números parece apenas estratégia de antiquado como eu. Mas por falar neles, o Carrefour perdeu nesta segunda passada, dois bilhões e meio de reais em valor de mercado! As suas ações caíram cinco ponto trinta e cinco, na bolsa de valores brasileira e dois vírgula dois na bolsa de valores de Paris!

Um homem não é um número. Um negro às vezes é, outras nem tanto! É isto que nos ensinam as inumeráveis vezes em que o status quo brasileiro, imitando o americano, nos forneceu a aritmética do racismo. Dois e um, igual a um assassinato! Foi assim com o caso mais recente de João Alberto Freitas. Poderia não ser um negro e sim um branco, diz um número considerável de leitores da FOLHA. Poderia! Mas os números estatísticos corrigem essa simplória dedução: João tinha setenta por cento de chances contra trinta, de ser ele o asfixiado. Aliás, quando saiu de casa naquele dia para ir ao estabelecimento comercial, ou quando nasceu neste país, junto com a necessidade de carregar o RG no bolso, já pairava sobre ele um destino desfavorável em termos percentuais.

Mas ok! O racismo não existe! Somos um país de números diversificados que geram um arco-íris invejável a qualquer outra unidade numérica mundial! Estão na verdade querendo acabar com esta paz e alegria que nos caracteriza em um número considerável de vezes que saímos à rua. Povo multirracial que convive pacificamente há cerca de quinhentos anos.

Para dar mais um número! Aliás, eram cerca de cinco milhões de índios quando Cabral chegou, que estavam aqui há quatorze mil anos. E para enriquecer esta inicial diversidade, atravessaram o Atlântico cerca de doze milhões de negros africanos, dos quais muitos ficaram por estas terras. Outros três milhões morreram na travessia. Esta narrativa de números não elimina o negacionismo. Eu sei. Existem forças poderosas e interesses escusos gigantes por trás. O racismo alimenta culturas e economias.

O Brasil não gosta da igualdade e alguns têm prazer em tratar mal aqueles que consideram inferiores! Ah! Mas são apenas algumas situações isoladas! Que sejam. No entanto temo que o critério da amostragem, nos revele uma quantidade exagerada de negros que ainda são cidadãos de segunda. Apenas treze por cento de negros (pretos e pardos) são alunos de Instituições de Ensino Superior. Os Tribunais Superiores são compostos majoritariamente por oitenta e cinco por cento de brancos, havendo baixos percentuais de pretos (1,3%) e pardos (7,6%).

Números são frios. Mas o sangue de João Alberto e de quarenta e cinco mil negros assassinados por ano no Brasil é quente. A negação do racismo transforma-se em mais uma tentativa infeliz de negarmos a nossa história, como estão fazendo com a ditadura. Trezentos e oitenta e oito anos de escravidão e cento e vinte e dois anos de liberdade nos conduziram até aqui. Racismo impede o Brasil de avançar. Somos um país que não se revê. O nosso subdesenvolvimento é cultural ao negarmos que somos racistas e para uma boa parte das elites, manifestações de ruas soam a “revolta da senzala”!

Padre Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos, Arquidiocese de Londrina