Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Mudança ou morte
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Somos uma parte muito pequena, ínfima, da vida no planeta. Representamos aproximadamente 0,01% do total da vida, mas por não sermos capazes de entender as interligações e a interdependência que nos une, temos a própria sobrevivência ameaçada. A vida só acontece e se desenvolve através da interação entre as espécies, porque na realidade não existimos, mas coexistimos numa trama interminável de relações.

Nas últimas décadas tem se assistido a ataques, cada vez mais frequentes e violentos, à nossa casa comum, com poluição crescente, desmatamento predatório e exploração indiscriminada de recursos naturais. As consequências são avassaladoras e traduzem-se em enchentes, tsunamis, maremotos, furacões e picos de frio e calor por todo o globo. Temperaturas próximas a 50º tornaram-se cada vez mais frequentes, até nas regiões mais frias, o que desestabiliza toda a teia da vida.

Tudo está interligado. O desmatamento das florestas afeta a evapotranspiração, processo em que as arvores retiram a água do solo e a bombeiam para o ar, formando nuvens, que empurradas pelo vento garantem chuvas a milhares de quilômetros de distância. Com a redução das florestas, se expande a desertificação das terras, aumenta a fome, as migrações em massa e as guerras por recursos essenciais, principalmente água.

Os recursos naturais, patrimônio da humanidade, são explorados até à exaustão, poluem-se rios e mares, expulsam-se povos originários, pequenos agricultores e todos os que interferem na arrogante ideia de desenvolvimento, que se limita a melhorar a vida de alguns poucos. Mas a insensatez paga seu preço, ao se invadirem habitats naturais intocados, liberam-se microrganismos que, para sobreviverem, se transferem de um hospedeiro para outro e assim chegam aos humanos. Sem imunidade para nos defendermos, somos prezas fáceis de alguns desses vírus, até então desconhecidos, como: Sars, Zika, Ebóla, Chikungunya, HIV e agora o Coronavírus.

O novo relatório sobre mudanças climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) divulgado no final de julho do corrente ano, mostra com precisão única, que estamos diante de mudanças climáticas sem precedentes, muitas delas irreversíveis. De acordo com o relatório, o aumento de 1,5° na temperatura da Terra, que era previsto só para o fim do século, deve chegar antes de 2050, acelerando o processo de degelo das calotas polares, o que tende a elevar o nível dos oceanos e provocar inundações nas regiões costeiras onde hoje habitam milhões de seres humanos.

Os fenômenos extremos são resultado direto do modelo de desenvolvimento adotado. A ganância e a exploração predatória em nome de resultados econômicos, sempre vistos como insuficientes, gera um contexto insustentável. O uso abusivo e indiscriminado dos recursos naturais, patrimônio coletivo, para manter um padrão insano de consumo, alimentado por uma cultura de ostentação e superioridade, que nos conduz a passos largos para o abismo.

Precisamos refletir sobre as prioridades assumidas. Por um lado, assiste-se à exacerbação do individualismo e da exploração de recursos humanos e materiais como sinônimo de progresso, a despeito dos sinais claros de insustentabilidade sistêmica apresentados por essa escolha. Em outra direção, propagam-se ideias de justiça social, solidariedade e cuidado com a mãe terra. São fundamentos de um projeto alternativo de sociabilidade, que procura soluções coletivas e inclusivas em equilíbrio com o meio ambiente, única forma de assegurar o futuro.

Miguel Luzio-Santos é professor de Socioeconomia na UEL e autor do livro: "Ética e Democracia Econômica: Caminhos para a Socialização da Economia"