A frase ecoou pelas ruas da capital federal – Rio de Janeiro, em novembro de 1904. O episódio registrado na história como “A Revolta da Vacina” teve também outras causas, as quais deram ao Rio o codinome de cidade mortífera. Sobre as vacinas, muito se evoluiu, entretanto há muita gente parada no tempo, mais precisamente no fim do século XIX e início do século XX de onde precisam sair.

Febre, peste, segregação socioespacial e a formação de favelas, casebres e ruelas, varíola... condições incompatíveis com o título de capital da nação, daí a urbanização conduzida pelo engenheiro e prefeito Pereira Passos e o plano de saneamento a cargo do sanitarista Oswaldo Cruz. Somadas a um possível golpe de estado, a insatisfação com a urbanização e a Revolta contra a obrigatoriedade de vacinação contra a varíola – a qual já se tornara obrigatória a crianças em 1837 e a adultos em 1846 - foram duramente reprimidas pelas forças policiais do governo. O comprovante de vacinação estava vinculado à matrícula escolar, ao emprego, ao direito de voto, à autorização para viagens... à autorização para casamento. “Aceita-a como sua legítima esposa? Padre, eu não fui vacinado”.

Saldo da Revolta: além de 110 feridos e 461 deportados, 945 presos e 30 mortos, bondes foram queimados, houve tiroteios e depredações muitas. Apontava-se a truculência física e moral de se invadir residências. Em época na qual a mulher mostrar o tornozelo era apontado como sinal de indecência, ter a casa invadida por forças governamentais para aplicar-lhes uma injeção nas nádegas era inaceitável. Acreditava-se, ainda, ter almas roubadas, doenças bovinas adquiridas e o desenvolvimento de características bovinas. Quais? Seria medo de “chifres”? É possível que os detentores do excesso de informação dos dias atuais ridicularizem algumas dessas afirmações. No entanto, esquecem-se de que passados mais de 100 anos são alimentados por “memes” em grupos de WhatsApp e em outras redes sociais: o teor, fake news em desfavor da ciência, da saúde pública e a bem de projetos particulares escusos. Na antiga capital, a vacinação em massa ocorreu em 1908 quando o maior surto da epidemia de varíola atingiu o Rio de Janeiro e trocou-se a obrigatoriedade por informação.

Nota-se que essa insegurança - histórica – é inversamente proporcional ao grau de instrução daqueles que serão vacinados. Porém, ressalte-se, se faltava informação no início do século XX, hoje vive-se o excesso dela. Assim, o peso é ainda maior pelo uso político que dela se faz, seja pela iniciativa pública ou privada. Recentemente a campanha de vacinação de jovens contra o HPV encarou resistência ao ser associada à promiscuidade. Os chamados “antivaxxers” – contrários à vacinação – são igualmente apontados como causa do reaparecimento no país de casos de sarampo e de pólio. Nesse contexto, a OMS – Organização Mundial de Saúde – apresenta o movimento antivacina como um dos maiores riscos à saúde pública no planeta. Associa os riscos ao fato de o indivíduo viver em sociedade e ter, assim, responsabilidade e dever de pensar e agir socialmente e não de modo individual.

Pesquisa Ibope de setembro de 2020 apresenta a resistência de 25 % da população em tomar a vacina contra o coronavírus. Ainda, 5 % afirmam que não tomarão a vacina nem mesmo que a eficácia seja comprovada. Para isso, 70 % fundamentaram sua posição em uma ou mais das frases a seguir: a vacina contamina com o coronavírus quem a recebe; a vacina desenvolve autismo; a vacina altera o DNA; a vacina é feita com fetos humanos abortados e Bill Gates afirmou que 700 mil devem morrer por receber a vacina. Todas são falsas. Qual “meme” faz você feliz? Morte ao pensamento retrógrado, vida longa aos policiais e a todos que creem na vacina.

Reginaldo José da Silva (policial militar, biólogo com pós-graduação em Análise Ambiental) Londrina