ESPAÇO ABERTO - Maringá, adeus!
Qual a justificativa política para se negar visibilidade e proteção (ainda que mínima) à comunidade LGBTQIA?
PUBLICAÇÃO
sábado, 11 de setembro de 2021
Qual a justificativa política para se negar visibilidade e proteção (ainda que mínima) à comunidade LGBTQIA?
João dos Santos Gomes Filho

Recebo mensagem por WhatsApp noticiando que a Câmara de Vereadores de Maringá rejeitou projeto lei que criava um Conselho LGBTQIA. Apenas quatro vereadores teriam votado a favor...
Notícias desta cepa não deveriam ser divulgadas à luz do dia, suposto que a tutela amesquinhadora dos direitos das minorias não revela senão o armário escuro e contemporâneo onde se escondem os que não assumem a dor e a delícia de ser.
Qual a justificativa política para se negar visibilidade e proteção (ainda que mínima) à comunidade LGBTQIA? Uma dica: conviver com a orientação sexual do outro não demanda, necessariamente, se deitar com a pessoa. Basta respeitá-la...
No país onde se matam tantas mulheres e homossexuais, a criação de Conselhos Comunitários para esta comunidade em geral e para aquele gênero em específico, não só constitui política pública salutar (protege e educa), como se revela essencial à mitigação do embrutecimento selvagem a que estamos submetidos, desde o golpe de 2016, na neofascização patrocinada pela imprensa comercial brasileira (Frias + Mesquita + Civita + Marinho) e parte da elite econômica brasileira.
Aportamos, enfim, o "tempo de absoluta depuração onde o amor resultou inútil", que o poeta anteviu em sua Rosa do Povo, e esse modelo de convívio negacionista e falso, que busca moldar no outro a escravização do pensamento único, espraia suas amarras e mitiga as hipóteses de convívio, ao tempo em que viabiliza aos aventureiros de nossos dias se apropriarem da narrativa dos covardes...
Não há qualquer argumento que justifique a opção dos vereadores de Maringá. Negar apoio e proteção é negar a natureza humana, pródiga na identificação da bondade e da elevação de mulher e homem enquanto destinatários do reino de Deus (não é assim que os pastores falam?), subvertendo o ideário de bem-estar que a caminhada progressista fez repristinar para o bem da vida em comunidade.
Demais disso e devendo ser laico o estado, não há falar-se na fundamentalização imbecilizante que nos oprime, cotidianamente, qual Febeaba contemporâneo.
Conselhos Comunitários tem representatividade política justamente por reunir pessoas em torno da discussão e do planejamento de soluções em prol da melhora da qualidade de vida das respectivas comunidades. Consabido seja, no Brasil se mata muito homossexual (em 2017, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, há registro de 445 casos de assassinato de gays, o que dá 1,2 mortes ao dia), qual a justificativa não hipócrita dessa gente para obstar a criação de um conselho voltado para confrontar esse número absurdo?
A única justificativa dessa gente é a fundamentalização religiosa que, por aqui, é uma das mães do neofascismo. Assim, ao voltar as costas à comunidade LGBTQIA, os vereadores de Maringá abraçaram o pensamento único, abraçando a cadela no cio que pariu o fascismo. São, pois, coautores dessa visão maligna que divide a humanidade e diminui o valor da pessoa.
A opção política de cunho fundamentalista dos edis não é senão um reflexo de parcela considerável da sociedade brasileira. A imagem do brasileiro cortês e tolerante cada vez mais foge dos compêndios sociológicos e se apega à literatura, não sendo demais lembrar que a criação de um Conselho Comunitário destinado à comunidade LGBTQIA valorizaria o modo de vida da Cidade Canção...
Os vereadores jogaram contra os interesses da cidade ao abraçarem livremente a própria paixão. Preconceituosamente, julgaram desmerecedores de um abrigo mínimo os que lhes aparentam ser "diferentes". Há salvação para essa gente? Por onde anda o valoroso Ministério Público de Maringá?
Sim, o Ministério Público. Pois ao serem diplomados os edis firmaram compromisso com os interesses da coletividade e não com a limitação fundamentalista de suas formações esquálidas.
Tenho visto e esgrimido muita ação civil pública por ato de improbidade fundada em motivos bem menos relevantes do que a manutenção do abandono de uma parcela considerável e viva da comunidade...
E não me venham com aquela leitura rasa de que o ato de votar não está circunscrito às individualidades, naquilo que reclamaria o caráter discricionário na tomada de posição, suposto que a discussão então pautada previa a criação de um Conselho Comunitário e não uma qualquer alteração nas regras de convívio então contratadas, em situação que, aí sim, sobrelevar-se-ia o caráter discricionário do voto.
Um Conselho Comunitário fala por si e não há qualquer justificativa cidadã que o desdiga. Apenas a subserviência preconceituosa justifica a postura adotada por parte maior da Câmara de Maringá e eu, enquanto cidadão, só posso lamentar e cobrar do povo que não se assusta facilmente em Cidade Canção, que se manifeste e não se esqueça de quem votou contra.
Todavia, não irei registrar os respectivos nomes aqui – que não me parecem dignos de serem lembrados. Vou inverter a pauta e enaltecer os que não se assustam facilmente em Maringá, e optaram por viver sem ter medo da comunidade LGBTQIA: Dr. Manoel, Flávio Mantovani, Mário Verri e Professora Ana Lúcia. A cada um de vocês o meu reconhecimento pela coragem revelada na empatia cidadã que, a destempo constituir obrigação ligada à energia moral do homem e da mulher, é também nossa única saída para a miséria moral a quem nos conduziu o golpe de 2016.
À comunidade LGBTQIA rogo não esquecer quem contribuiu para a perpetuação da clandestinidade cidadã que lhe obnubila a devida visibilidade e afasta respeito e qualidade no trato cotidiano.
Tristes e preconceituosos trópicos.
João dos Santos Gomes Filho é advogado em Londrina

