Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Justiça para quem?
| Foto: iStock

No Brasil, muito se ouve dos brasileiros que todos somos iguais perante a lei, que todos temos direitos iguais perante a lei e que a justiça é igual para todos. De fato, o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 nos assegura por escrito que somos todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-nos os direitos fundamentais à vida, liberdade e igualdade, dentre outros, mas será que somos realmente todos iguais, e a justiça é para quem?

Rafael Braga Vieira, 32 anos, morador da Vila Cruzeiro (RJ), catador de recicláveis e preto, foi o único preso condenado após as manifestações de julho de 2013 que desencadearam diversas mudanças no país. Rafael foi abordado pela polícia tendo consigo uma garrafa de pinho sol e outra de água sanitária, foi levado para a delegacia sob a alegação de portar “coquetéis molotov”, mesmo nenhum dos materiais apreendidos sendo inflamável. Ele foi preso preventivamente em flagrante nos termos do artigo 16, parágrafo único, inciso III da Lei 10.826/2003, que caracteriza posse ou detenção de artefatos explosivos.

Ignorando provas testemunhais, relato do réu, provas científicas, Rafael foi condenado a 5 anos de prisão em regime fechado, depois teve redução para 4 anos e 8 meses. Em 2016, já cumprindo seu segundo mês de regime semiaberto com uso de tornozeleira, Rafael é abordado por policiais enquanto voltava da padaria, e foi pressionado a fornecer informações sobre o tráfico local.

Mesmo sem nunca ter tido qualquer envolvimento, Rafael então foi vítima de um flagrante forjado. Os policiais colocaram na conta dele 0,6g de maconha e 9,3g de cocaína (quantidade que caracteriza posse para consumo). Mais uma vez foi levado à delegacia, detido, e teve de voltar ao regime fechado, agora indiciado por associação ao tráfico e tráfico de drogas. Em abril de 2017, foi condenado a 11 anos de prisão por tráfico de drogas.

André de Camargo Aranha, 42 anos, empresário, rico, branco, bem conhecido entre famosos, filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que é advogado da Rede Globo, está sendo defendido por um dos mais caros advogados de Santa Catarina, foi acusado de estuprar a influenciadora Mariana Ferrer em um Beach Club em dezembro de 2018. Foram apresentadas provas pela vítima, o material genético encontrado nas roupas da mesma foi comprovado ser o de André, das 37 câmeras do local do acontecido apenas dois foram disponibilizadas à policia. O exame de corpo e delito atesta a existência de relação sexual e também o rompimento do hímen da jovem. Há a aceitação por parte do Ministério Público da denúncia de estupro de vulnerável e, tempos depois no meio do processo, ocorre a troca da promotoria. Sem justificativas prévias, a nova promotoria então pede a absolvição de André do crime de estupro de vulnerável, alegando que mesmo a conjunção carnal tendo ocorrido, o réu não tinha como saber da condição de vulnerável de Mariana, se ela consentia ou não e, sendo assim, exclui-se o dolo da prática delituosa. O Judiciário de Santa Catarina então absolve André com o seguinte argumento: “Para que o crime de estupro de vulnerável fosse comprovado, segundo o MPSC, o acusado teria que ter percebido a vulnerabilidade da vítima e se aproveitado da situação, mas as provas levantadas não foram suficientes para provar que a vítima disse não ao ato sexual, se é que ele existiu “.

Nesses dois casos, o privilégio da dúvida só foi dado a uma parte, ambos ocorreram no mesmo país, ambos possuem os mesmos direitos e deveres perante a Constituição Federal, constituição esta que em seu artigo 3º, inciso III e IV diz que é dever do Estado reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem distinção de raça, cor, gênero e idade. Mas e a justiça, é para quem?

Eduardo Vieira é estudante de Direito pela Universidade Positivo Londrina e Flavio Pierobon é professor de Direito Constitucional da Universidade Positivo Londrina