Há poucos dias celebrávamos o Dia Internacional de Combate a Homofobia. Recentemente, o Vaticano proibiu a bênção a casais homoafetivos. Embora não veja neste documento nenhuma atitude homofóbica, creio que devamos questioná-la.

Argumenta a Igreja que para ser coerente com a natureza dos sacramentais, “aquilo que é abençoado, seja objetiva e positivamente ordenado a receber e a exprimir a graça, em função dos desígnios de Deus, inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo Senhor”.

Afirma que não é lícito portanto, conceder uma bênção a relações, ou mesmo a parcerias estáveis, que implicam numa prática sexual fora do matrimônio. É, porém, um tema doloroso para os irmãos homossexuais batizados, bem como polêmico e discriminatório.

Tomás Hálik, um expoente teólogo checo, disse ultimamente que quanto a “estes assuntos”, é possível que a Igreja em dez anos, “olhe para trás com a mesma vergonha que sente hoje, lendo as declarações do século XIX sobre liberdade de imprensa, liberdade de consciência e liberdade de religião.” E diz mais: “Teremos vergonha de ter recebido os impulsos do papa Francisco e de não os termos concretizado. O mesmo aconteceu com o pacto das catacumbas. Houve impulsos muito importantes de alguns bispos conciliares para os seus confrades. Eles não foram ouvidos. O Papa Francisco fez alguns em seu estilo de vida. Esses sinais influenciam a maneira como as pessoas pensam. É por isso que Deus nos envia profetas”.

Contudo, o papa assinou o documento. Francisco é nitidamente um homem à frente do seu tempo, mas é o papa real numa Igreja concreta. Ousamos dizer que não poderíamos esperar de Francisco um posicionamento diferente. Tem feito avanços. Nomeou por exemplo algumas mulheres a conta gotas para altos cargos. Mas o fez! A história, se encarregará dos juízos adequados.

O documento, não sendo dogmático, é passível de crítica por dois motivos concomitantes. Por um lado, a heterodoxia na Igreja sempre gerou avanços na discussão teológica; por outro, revela-se que dentro da Instituição, não há unanimidade sobre a questão levantada.

Casais gays estão num patamar infinitamente superior às coisas, objetos e até aos animais que a Igreja abençoa constantemente. É fato também que em muitas circunstâncias, lugares e pessoas abençoadas nem sempre estão “de acordo com os desígnios de Deus”! Por outro lado, o documento faz referência ao matrimônio como forma de garantir a procriação e a sobrevivência da espécie humana. Ora, já o Vaticano II, embora lhe tenha conservado esta dimensão, retirou-lhe a exclusividade. A reflexão no momento seria a de desvincular a sexualidade, em si, da mera função biológica da fertilidade. Faz-se mister, uma perspectiva mais ampla da própria sexualidade humana, que contemple sim, uniões homoafetivas.

Não se pode continuar avaliando a homossexualidade com base na lei natural. Dirão alguns: mas isso é sucumbir à cultura atual! Não! Isso é apreciar os sinais dos tempos e deles retirar os elementos que, embora muitas vezes sublimados, se coadunam com o Evangelho, como nos diz Mateus 13,52: “Portanto, todo mestre da lei, bem esclarecido quanto ao Reino dos céus, é semelhante a um pai de família que sabe tirar do seu tesouro coisas novas e coisas velhas”.

A Igreja é uma ecclesia semper reformanda. Houve tantas mudanças de paradigma na história da Igreja! Pelo mundo afora, são inúmeros os padres que já abençoaram casais homoafetivos. Gesto esse que em nada diminuiu a sacralidade do matrimônio cristão. A reflexão sobre este ponto, embora já mais avançada, vale também para os casais recasados, ainda sem poderem receber oficialmente a “tal da bênção”. A cláusula da indissolubilidade do enlace sacramental não cai por terra com a acolhida gradual desses casais, que por vários motivos, não conseguiram vivê-la!

Parece-me que a bênção da união entre homossexuais trilhe apenas um caminho legítimo da primazia do afetivo sobre a sexualidade biológica e procriadora. Defendo a desvinculação anteriormente mencionada. Em nenhum momento, a Igreja “anulou” matrimônios de casais que optaram por não terem filhos!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese Londrina