Heresias nas igrejas não são nenhuma novidade. Que elas sempre foram combatidas com fogueira e retaliações várias, também o sabemos. Ao se protegerem contra hereges, o fazem sob o signo da auto preservação. A ortodoxia foi vista comumente como vital para a consistência e sustentação de seitas e igrejas. Por outro lado, apesar de não admitido, o pensamento diferente, muitas vezes condenado, tornou-se combustível para a evolução e o crescimento dessas instituições. Como se reconhecesse que a heresia afinal é benfazeja!

O sangue dos hereges, em determinado período histórico, é lembrado posteriormente como desatador de nós para a evolução do próprio pensamento. Ninguém de bom senso, hoje, nega, por exemplo, que Lutero não tenha prestado um ótimo serviço à Igreja Católica, que como herege o combateu! Que o diga a convocação do Concílio de Trento, que veio logo em seguida! Hereges são expurgados do sistema para que este continue funcionando sob o status quo.

No momento atual, este assunto assume deveras importância, embora a terminologia seja outra e poucos façam comparações com o passado. O advento da internet e dos aplicativos de comunicação em massa trouxeram novos tipos de “pensadores” e deram voz a quem se sinta com vontade de fazê-lo, discordando, ou até atacando frontalmente posições consolidadas pelas instituições às quais se pertence. Pra bem da verdade, nenhuma organização ou instituição, secular ou não, escapa desse escrutínio! Trate-se da OMS ou da própria Igreja.

Ser herege, parece assumir nuances de heroísmo dando conotação de coragem e sabedoria legitimamente adquiridas em mensagens de WhatsApp ou sites de índole duvidosa. Assim sendo, todos, sem excepção, estão habilitados a confrontar posicionamentos hierárquicos e dogmáticos em nome de uma democracia pensante. Em tese, esta discordância poderia vir a revelar o que eu comentei no primeiro parágrafo e, portanto, manifestar-se extremamente positiva para as instituições mencionadas. Porém, ela padece do essencial: os hereges históricos amavam a casa que criticavam e o faziam com zelo; estes demonstram ódio e aversão personificadas. Mais ainda: os heterodoxos se opunham a determinados dogmas em nome do resgate do que era verdadeiro e genuíno, ou seja, a própria mensagem do fundador. Estes, por sua vez, não defendem o essencial “imutável” e sim posicionamentos que entram em rota de colisão com o mentor da doutrina.

Os hereges de hoje são hipócritas e violentos. Ao defender com unhas e dentes a vida intrauterina (dizendo-se assim ortodoxos) não usam a mesma veemência defendo a vida humana como um todo e nomeadamente a mais vulnerável com os seus direitos fundamentais. Ao gostarem de portar armas e defenderem que “bandido bom é bandido morto”, ou pleitearem o direito absoluto à propriedade, negam os princípios fundamentais da religião de quem são apologistas ferrenhos!

A heresia de hoje defende trincheiras ideológicas colocadas acima de valores ou de princípios. Não representa nenhum avanço. Pelo contrário! A onda de extrema direita que prometia varrer o planeta libertando dos grilhões do silêncio milhões de defensores dos “verdadeiros valores” escorregou na casca de banana das fake news e das incoerências escancaradas dos seus líderes.Mentirosos e corruptos tanto quanto arrastaram para a ribalta iluminada os incautos que buscavam o resgate do mundo sério e civilizado, perdido algures em meados do século passado. Não era uma utopia. Tratava-se de uma ideologia no pior sentido do termo. Tão nefasta e perversa quanta as criticadas! Trump se foi. Com ele, esta onda ficou mais “marolinha”! Assim esperamos.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina