“Siempre Maradona: Ta-ta-ta-ta!”, assim Victor Hugo Morales despia a emoção do povo argentino com o lance antológico protagonizado pelo “barrilete cósmico”, que deixava a tropa britânica para trás. A estética da jogada basta, é digna do acontecimento. Como nas obras do compatriota Quino, em que a ilustração é maravilhosa, a metáfora, divina. Perguntamos: Para quê tanto? Acima da plasticidade do lance, vive discreta a retribuição: “de que planeta veio, para deixar tantos ingleses no caminho?”, insistia o narrador Morales.

Se o tento antológico é revestido de sonoplastia, uma flor feia (“destas que ilude a ‘tropa inglesa’”) brotava em punho cerrado, inaugurando o placar. Os dois lances providenciados pelo Faustobolista, que decretavam a classificação da Argentina para as semifinais da Copa de 86, assimilavam os “setenta balcones”, de Baldomero Fernández, com a séria ameaça de uma “flor”, ainda que feia aos olhos (tautologia necessária) do careta burguês politicamente correto admirador da arquitetura do Palácio de Buckingham. Hoje, certamente o árbitro de vídeo mataria a flor que irrompia no punho cerrado de Maradona; a chatice acabaria com uma das maiores poesias presenteadas ao futebol.

Maradona eternizou a diez - acho uma bobeira a pergunta: “o dez ou a diez, quem jogou mais?” Picuinha. Só revela a incompreensão do utilitarista perante a existência de duas criaturas divinas. Sei que, a partir destes acontecimentos, o Diez, para muitos, virou Dios; até religião em seu nome devotaram. O “Maradonismo”. Sei também que a efusão desconcertante da sua canhota aumentou minha crença na América Latina, na união dos que bailam e sambam à margem esquerda do São Chico ao Rio Tigre. “O mundo inteiro sabe que é canhoto”. E se estamos enaltecendo a ruína da literalidade de um lance tão plástico como o gol do “barrilete cósmico”, confesso que a intervenção divina, a “la mano de Dios”, me emociona mais.

Comecei a compreender a “flor feia”, quando meu amado Pai me ensinou noções básicas sobre a exploração imperialista à América Latina, citando a invasão da Inglaterra nas Ilhas Malvinas. Quando minha amada Mãe me mostrou a diferença de crescimento entre uma planta que se rega todo dia para outra que passa a depender só da chuva. A amostra da fome nas ruas, a dor do próximo, a injusta distribuição e o livro do Drummond também me ajudaram a interpretar o lance.

Sugiro à pessoa leitora, que ora disseca minha admiração por Diego, não se limite a piada depreciativa sobre o gol, que simula a tosca rivalidade futebolística entre os países vizinhos. Vá além! Garanto que a história do gol de mão está à altura da prosa, rende um palpitar estremecido; nela, o Criador retribuiu a matança dos ingleses na tão distante ilha que invadiram. Explico melhor: quatro anos antes do lance, jovens argentinos, sem treinamento e pouca arma, defendiam seu território da invasão britânica, beligerante e soberana. Por isso, o clima da partida, quartas de final da Copa de 86, era de incerteza.

A tensão causada pelo extermínio britânico nas Malvinas invadiu o campo antes do jogo começar. A figura de um baixinho extrovertido, um “barrilete cósmico” (melhor definição), de pouca apreciação ao charme europeu, que tanto o temia(e), irrompeu em dois momentos marcantes, garantindo a vitória latina. Os dois momentos são indeléveis; é lindo assistir os soldados ingleses despencando no chão, como quem, quatro anos depois, sofresse as badaladas de um gênio: 1, 2, 3, 4 soldados...“Ta-ta-ta-ta”, inglaterra abatida; gol de Diego! E milagrosa a intervenção do seu punho cerrado em disputa de bola com um arqueiro quase o dobro do seu tamanho; flor feia que ilude, até hoje, o politicamente correto.

A passagem de Maradona para “al otro lado del rio”, marcada à mesma data do falecimento de Fidel, é mera literalidade; o rastro de sua existência perdura, enlaça nas coisas e traz a lembrança dos seus feitos na voz de quem os conta e na consciência dos que os sonham. Obrigado, Faustobolista - enquanto jovem latino americano, agradeço sua contribuição para o consolidar dos meus ideais e sua rega ao amor que nutro pelo eidético futebol argentino. “Para que el pais sea un puño apretado gritando por ‘America Latina’” - Siempre, Diez! Hasta.

João dos Santos Gomes Neto, advogado