Por que a fome neste país não diminuiu proporcionalmente à defesa dos chamados “valores tradicionais”? Eis a questão!

No Brasil de hoje, mais de 10% da população tem fome. Desmaia na fila dos postos de saúde, de fome! Come as sobras de hotéis de luxo no Nordeste, em forma de lavagem! De fome! Crianças têm uma única refeição diária – a da escola! Para não passar fome! Contudo, a tónica maior nos discursos da direita extremista é a “devolução” ao Brasil dos valores pátria, Deus e família, perdidos, em seu entender, nos consecutivos governos pós-ditadura.

Acontece que nesta terra de Vera Cruz esses ditos valores nunca se insurgiram contra as maiores mazelas dos cidadãos que por aqui labutavam. A fome a o analfabetismo, as desigualdades sociais escandalizadoras e o deboche sobre os menos favorecidos eram o arroz e o feijão, esse sim, que não faltava no dia a dia dos ditos anos nostálgicos para essa gente! Os “sem letras” constituíam cerca de 50% da população nacional nos “áureos” anos cinquenta!

Mas vamos ao ponto! Porque valores aparentemente positivos como os mencionados não alteram estes terríveis fatores que geram miséria e fome? Resposta simples: porque não são valores! Nunca foram! Trata-se apenas de slogans eleitorais! Tanto lá como cá, não é Deus que se pleita em primeiríssimo lugar, tão pouco a família ou a pátria “amada”! O Deus das descobertas e da escravatura, dos engenhos e das capitanias, a família branca, classe média e rica e a pátria como um vasto campo a enriquecer à custa de salários perversos e desmatamentos iníquos!

Não são valores a elogiar ou a preservar! Isso, no máximo, corresponderia a uma “religião de manutenção”, o que noves fora nada não é religião nenhuma! A verdadeira religião (na maioria das que conhecemos) rima com dignidade do ser humano! E não foi isso que aconteceu com tantos homens, mulheres e crianças que foram escravizados, humilhados e torturados, física e espiritualmente, com base na religião! A inquisição, o abuso de menores e no Islão onde ainda se degola pela religião... para essa gente, melhor teria sido nunca haver religião! Nunca ter ouvido falar em Deus! A religião foi para eles causa de desgraça, de infelicidade e de tortura física e interior, como nos lembra Anselmo Borges.

Deus, pátria e família foi apenas um banner numa fachada elitista de quem visava manter o status quo à sombra da garantia de privilégios! Querer resgatá-los, hoje, não passa de uma visão equivocada de sociedade e de uma safadeza de quem ignora as tragédias do momento e culpa governos que respeitando direitos inalienáveis fizeram o Brasil sair do mapa da fome e da miséria!

Religião é coisa séria! O julgamento final no cristianismo será Mateus 25: “tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber” (...)! Porém, não tropecemos neste tempo verbal! Durante séculos, também ele foi interpretado como caridade no pior sentido do termo! Doar o que sobra, ou migalhas eleitoreiras que escapem das garras insaciáveis das emendas parlamentares ou orçamentos secretos não se encaixa em nenhum texto bíblico! Sendo assim, valores aparentemente consistentes, não passam de pseudo valores! Uma farsa axiológica enganosa, que nada tem a acrescentar a uma demanda atualíssima que é acabar com a fome e a miséria.

Deus, pátria e família tão exaltados em comícios, filiação partidária e arroubos eleitoreiros são exatamente o que parecem ser! Nada! Nem no significado nem no significante! São minúsculas, que ao longo de uma história contada pelas elites pareceram luzes iluminando as trevas. Mas no fundo, fizeram parte da mesma escuridão!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da FOLHA.

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.