ESPAÇO ABERTO - Escândalo nacional
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terça-feira, 18 de maio de 2021
Luís Miguel Luzio dos Santos
Há diferentes métricas para aferir o grau de desenvolvimento de um país ou região, as quais variam de acordo com a visão de mundo e dos ideais defendidos pela sociedade em questão. PIB, PNB ou renda per capita são alguns dos indicadores mais usados, ainda que apresentem limitações e distorções ao desconsiderarem em seu cálculo como a riqueza é distribuída, e possíveis impactos ambientais decorrentes. Particularmente, prefiro entender desenvolvimento a partir do bem-estar dos membros mais fragilizados de uma população, assim como é o elo mais fraco de uma corrente que determina a força de todo o conjunto. Desenvolvimento não se pode reduzir à expansão das forças produtivas, como um fim em si mesmo, e sim, à melhoria do bem viver coletivo, com atenção especial para os mais vulneráveis e historicamente prejudicados.
Ao se assumir como parâmetro de desenvolvimento a qualidade de vida dos mais pobres, percebe-se a situação calamitosa em que nos encontramos. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), em 2020, 116,8 milhões de pessoas não conseguiram se alimentar devidamente, nem em quantidade suficiente nem em qualidade, o que significa algum grau de insegurança alimentar. Para piorar a situação, 19 milhões de cidadãos passaram fome severa, o que nos fez voltar a integrar o mapa da fome mundial, grupo do qual havíamos saído em 2013.
Trata-se de uma realidade injustificável num dos três países que mais produz alimentos no mundo, com recordes anuais de produção e exportação. Em 2020 tivemos a maior produção da história de milho, com 109 milhões de toneladas, e de soja, com 135 milhões de toneladas, boa parte destinada ao mercado externo. Em contrapartida, a produção de arroz e feijão tem diminuído ano após ano, o que provoca elevação dos preços e dificulta o acesso dos mais pobres a alimentos essenciais. O mesmo Brasil que alimenta o mundo e produz muito acima do que seria necessário para suprir as necessidades da população interna, condena parte dela à fome.
Com o fim do auxilio emergencial, encerrado no final de 2020, e com o pífio auxilio votado no congresso, a fome e a miséria tendem a se agravar de forma dramática ao longo de 2021. O falso dilema que foi criado entre salvar vidas ou a economia, resultou no segundo maior número de mortes por Covid do planeta e a maior queda do PIB nominal (em dólares) de todo o mundo.
É fato que eliminar a pobreza e pensar numa nação capaz de acolher dignamente todos os seus filhos, nunca foi pauta privilegiada. Sempre prevaleceu a ideia de que não basta prosperar, é preciso distanciar-se do “povão”, da “ralé” e fazê-los sentirem-se inferiores, o que facilita a exploração e impede que se rebelem. O convívio com a miséria e a dor alheia não chegam a constranger, pois foram banalizados, como se fossem resultado de escolhas individuais inadequadas, em vez de fruto de estruturas e instituições perversas que produziram e alimentaram as iniquidades ao longo da história.
O mais perturbador é ver-se a apatia de boa parte da população diante da tragédia social. Aplaude-se o trabalho de ONGs no combate à fome, mas condena-se qualquer tentativa de aumento no auxílio emergencial, no bolsa família ou a instituição de uma Renda Básica de Cidadania. Diante do absurdo, perde-se o sentido de humanidade, numa verdadeira regressão civilizatória em que o outro é entendido como estranho, uma espécie inferior que se deve contentar com as sobras. A questão que se coloca é: Queremos continuar a privilegiar o luxo de poucos bancado pelo trabalho de muitos, ou assegurar sobrevivência e vida dignidade para todos?
Luís Miguel Luzio dos Santos, professor de socioeconomia da Universidade Estadual de Londrina, autor do livro Ética e Democracia Econômica.

