O leitor deve achar inusitado que um padre escreva sobre este assunto. Na verdade, já passou da hora, de padres, pastores e demais líderes religiosos pensarem o Brasil como país e não apenas na ótica de suas denominações, por mais benfazejas que tenham sido ou ainda sejam, à nação! É com certeza irrefutável, que no atual momento, o fechamento das portas de todas as instituições religiosas, levaria a uma situação constrangedora e delicada no campo social, neste país. Isso, no entanto, não pode ser usado como argumento, para legitimar decretos presidenciais deste teor. Aliás, não é o primeiro! Com o aval do presidente, o Congresso aprovou um projeto garantindo incentivos fiscais para as Igrejas, até 2032. Por meio de outro decreto (mais bizarro), ele também passou por cima da agenda que favorecia pessoas com deficiência – aliás, uma prioridade inclusive da primeira dama - liberando Igrejas de realizar adaptações de acessibilidade em determinadas áreas internas.

Os irmãos evangélicos, bem como muitos católicos, estão na base de apoio deste governo. É um direito deles; existe, outrossim, no Congresso, uma grande bancada evangélica, que também mantém um ótimo relacionamento com o executivo, em busca de seus interesses mais diretos. Nada disto é inédito nem “proibido”!

icon-aspas Se depender do presidente da república, a área econômica não impedirá que seja concedido subsídio às contas de luz das igrejas!

Mas o escopo deste artigo vai noutra direção. A Constituição federal já preconiza uma relação sadia e de respeito para com todas as denominações religiosas, reconhecendo nelas, parceiras fundamentais no desenvolvimento do país e inclusive, dando-lhes alguns privilégios. E à luz do princípio da isonomia e da igualdade de credos e religiões, todas sem exceção, estão contempladas. Mas o mais importante a sublinhar, é o de que este preceito constitucional se insere num contexto de Estado Laico que é fundamental numa democracia moderna e excepcional para as próprias religiões, ao contrário do que alguns possam pensar! Após a Revolução Francesa e o surgimento das primeiras constituições liberais e democráticas, as Igrejas começaram a entender, que “dar a César o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus” (Mc 12,13-17), é o melhor dos mundos para a sua missão! O outra lado da moeda, ou seja, o comprometimento total entre Estado e Igreja – e o século XIX e XX o provaram – se revelou um desastre! O Conselho Mundial das Igrejas, por várias vezes reafirmou a necessidade da independência perante o Estado, preconizando que é nessa autonomia operacional e legal, que poderá ocorrer com liberdade, a colaboração profícua, em torno do essencial: o bem do ser humano e a sua salvação! Estado Laico não é Estado contra a religião! Nem ao menos, alheio à religião! Nem podemos falar de Estado “ateu”! Neste artigo também não defendemos o próprio laicismo, como corrente filosófica do século XIX. O Estado laico, é apenas aquele que não permite a interferência direta da religião na política. Porém, o Estado Laico pode e deve permitir Instituições confessionais, como escolas ou hospitais e inclusive com subvenções públicas. Como acontece no nosso país e na maioria dos ocidentais.

O que for além disto, e tem-se revelado uma costumeira tentação por vários continentes, de cooptar ou aliciar religiosos com benesses além da própria Constituição, é imoral perante os demais cidadãos. Eles sempre pagam o pato destas acrobacias fiscais. Fica bem claro, que apoio eleitoral ostensivo por parte de grupos religiosos, não é um bom negócio para a nação. O comprometimento é inevitável e a fatura acaba chegando de várias formas. Existem países com lobbys organizados inclusive religiosos. Poderíamos chamá-los de grupos de pressão e talvez sejam até benéficos na própria democracia! Afinal, todos têm o direito de defender as suas pautas e as suas agendas e o próprio sistema democrático não se pode reduzir a partidos nem ao momento eleitoral. Mas o apoio ostensivo de Igrejas durante o processo, caracteriza uma pertença, real ou aparente, ao próprio governo, que afetara diretamente o que chamamos de Estado Laico. É um assunto, que embora espinhoso, tem a legitimidade de ser abordado constantemente.

Pe Manuel Joaquim Rodrigues dos Santos - Arquidiocese de Londrina