A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), recentemente, assentou importante entendimento no que diz respeito à aplicação – e, sobretudo, ao alcance – da Lei de Direitos Autorais (LDA). Trata-se do julgamento do Recurso Especial 1.943.690 (Loungerie x Hope), de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no qual houve o enfrentamento de controvérsia pertinente à indústria da moda. Essa controvérsia consiste na seguinte problemática: as normas de direito autoral – previstas na LDA – alcançam a tutela das criações voltada à indústria da moda?

A resposta dada pelo STJ foi afirmativa. Na ocasião, assentou-se a orientação de que as criações intelectuais desenvolvidas para a indústria da moda estão sujeitas à tutela da LDA, aplicando-se – por consequência – as normas de direito autoral a esse segmento. Apesar do desfecho do caso, no qual, ao final, o STJ entendeu que não houve violação dos direitos autorais e nem a reprodução indevida de estampas nas peças comercializadas pela empresa demandada (Hope), o que se busca destacar no presente artigo é a existência, na fundamentação da decisão, de tópico específico destinado ao esclarecimento de que é possível invocar a LDA com o objetivo de proteger determinada criação intelectual desenvolvida para a indústria da moda.

O esclarecimento foi necessário na medida em que, na decisão do Tribunal de origem, os julgadores entenderam que “a Lei de Direitos Autorais não protege peças de vestuário e acessórios, pois as criações no âmbito da indústria da moda não se enquadram em nenhuma hipótese do art. 7º, da Lei 9.610/98 (LDA)”. A Ministra Relatora do recurso em análise fez questão de frisar que o rol do art. 7º da LDA é exemplificativo, ao passo que o art. 8º – que prevê as exceções que não são objeto de proteção pela LDA – apresenta rol, por sua vez, taxativo. A conclusão foi de que, para receber proteção pela LDA, basta que a obra intelectual (i) se trate de “criação do espírito” e (ii) não integre quaisquer das exceções do art. 8º.

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Direito autoral e a indústria da moda
| Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

A respeito do termo “criação do espírito” previsto no caput do art. 7º da LDA, a ministra relatora explicou tratar-se de “qualquer criação que configure uma exteriorização de determinada expressão intelectual, com ideia e forma concretizadas pelo autor de modo original”. Além disso, constou também na decisão que, de acordo com o entendimento doutrinário, “todas as obras que realizam finalidades estéticas se incluem no âmbito do direito do autor, independentemente de serem ou não utilizadas com fins industriais”. Nesse particular, o entendimento foi firmado no sentido de que as criações inseridas no âmbito da indústria da moda se tratam de “obras de arte aplicada”, as quais “se definem por serem uma criação intelectual que combina, ao mesmo tempo, caráter estético e conotação utilitária, servindo para fins comerciais ou industriais”. Com isso, entendendo que se tratam de obras que exteriorizam criação de espírito, o STJ estabeleceu que é viável a invocação das normas de direito autoral para a tutela das criações intelectuais inseridas na indústria da moda.

Além de dirimir controvérsia existente nos Tribunais, a decisão proferida pelo STJ também representa – ao nosso ver – um avanço no contexto do direito da moda. Não há dúvidas de que esse entendimento, a um só tempo, confere maior dose de segurança no mercado da moda e, também, reconhece o trabalho daqueles que são peças-chave para esse pujante nicho: os estilistas e designers.

Ana Carolina de Camargo Clève, advogada, mestre em ciência política e presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, e Suzan Raphaellen Franche, advogada e pós-graduanda em Direito Processual Civil.

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