Vivemos um período de epidemia crônica, não a de covid, mas a de cegueira e insanidade diante do óbvio. Batemos recordes negativos em questões factuais, ou seja, que não são afeitas a dupla interpretação dada a sua objetividade lastreada em indicadores técnicos aferidos por órgãos oficiais e facilmente comprováveis empiricamente, mas ainda assim relativizados por um grande número de cidadãos.

O PIB brasileiro tem como expectativa mais otimista para 2022, um pífio crescimento na casa de 1,0%. Em 2019, o crescimento foi de 1,2%, 2020 fechou negativo em 3,9; 2021 ficou em 4,6%. Os quatro anos do atual governo apontam para uma média anual de 0,7% no crescimento do PIB, considerando que a população aumenta 0,8% ao ano, estamos empobrecendo. Pode-se atribuir o desastre à pandemia, o que sem dúvida interferiu no resultado, mas o crescimento médio mundial no período foi de 3% (World Economic Outlook -WEO - FMI), ou seja, quatro veze superior ao registrado por aqui.

Nos últimos quatro anos, o real sofreu uma desvalorização frente ao dólar de mais de 25%, o que reduziu o PIB em dólares para US$ 1,42 trilhões e nos fez abandonar a 9ª colocação entre as maiores economias mundiais para assumirmos a 12ª colocação, não podemos esquecer que já ocupamos a 6ª posição. As razões da queda acentuada são variadas, vão de baixos investimentos estrangeiros, até a fuga de capitais diante do descrédito internacional em relação ao atual governo.

A taxa de juros (Selic),estabelecida pelo Banco Central e que serve de referência para toda a economia, saiu de 2% em março de 2021 para os atuais 13,25%, com viés de alta. Nunca é demais lembrar que os juros altos elevam a dívida pública, reduzem investimentos produtivos e freiam o consumo. A razão dessa subida vertiginosa (receituário ortodoxo) é ajudar a controlar a inflação, que quando anualizada bate em 12%, maior patamar desde 1995 quando o real foi instituído.

A dívida pública, que se encontrava em 60% do PIB em 2018, hoje aproxima-se de 80% e cresce a passos largos alimentada por juros estratosféricos que fazem a alegria de banqueiros e especuladores. Paralelamente, fortalece-se a pressão por redução de despesas públicas e privatizações. Vale a análise de Noam Chomsky sobre a estratégia e a narrativa para privatizar: “Corte o dinheiro público, certifique-se que as coisas não funcionam como desejado, reforce que a culpa é do governo e que dele nada se pode esperar e apresente a privatização como única solução”. Troca-se um monopólio público comprometido por lei em promover o bem comum, por um outro privado que tem como principal missão maximizar lucros para os acionistas.

Todavia, a maior chaga nacional é o desemprego, que soma 13 milhões de brasileiros, além de 5 milhões de desalentados (os que deixaram de procurar emprego) e 45% de informais, o que totaliza mais de 60% da população economicamente ativa que ou estão desempregados ou subempregados. A renda média mensal caiu de 1.450 reais em 2020 para 1.353 em 2021, o menor valor da série histórica calculada pelo IBGE. Esse resultado contribui decisivamente para o endividamento das famílias, 65 milhões estão nessa situação, o que impede a retomada econômica, pois sem inclusão não há possibilidade de expansão.

Contudo, é a fome o indicador mais dramático. Em 2020, atingimos a trágica marca de 19 milhões de famintos e atualizada recentemente para 33 milhões. Não podemos esquecer que isso ocorre no terceiro maior produtor de alimentos do mundo e no segundo maior exportador, um verdadeiro escândalo! O montante equivale à população de três Haitis, país mais pobre das Américas ou a de três Burundis, país mais pobre do mundo. Consolidamo-nos como o país mais injusto do mundo, título que nos deveria constranger e mobilizar sem trégua.

Miguel Luzio-Santos é professor de socioeconomia na UEL e autor do livro: "Ética e Democracia Econômica"

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