A Quarta-feira de Cinzas que se aproxima, neste ano celebrada no dia 17 de fevereiro, inicia um tempo de preparação muito importante para os católicos: a Quaresma. Um período de orações, penitência e jejuns em preparo para o centro da fé cristã: a Páscoa, que marca a ressurreição de Cristo e a vitória sobre a morte. Embora tenha perdido parte de seu significado com a secularização do mundo nas últimas décadas, continua sendo oportunidade ideal de conversão e de adoração a Deus Filho misericordioso entre os homens.

Como prática católica, a Quaresma só foi instituída na Igreja no século IV, ou seja, mais de 400 anos depois da morte de Cristo. Entretanto, os primeiros cristãos já se preparavam para a celebração da morte e ressurreição de Jesus desde sempre. E continuaram a fazê-lo pelos séculos. Talvez o que tenha se transformado ao longo do tempo seja a forma de preparação. Afinal, numa época de tanta abundância e facilidades como a que vivemos na contemporaneidade, jejuar, orar e fazer penitência parece coisa do passado, de gente carola e beata.

Ao contrário. São práticas devocionais e espirituais tão atuais quanto importantes para o fortalecimento da fé. Mas, de fato, há que se considerar tantas variáveis quantas são as possibilidades e transformações do mundo moderno. Isso quer dizer que a prática traduz a fé em ações e gestos concretos. Hoje, por exemplo, muitos fieis trocam penitências por doações a entidades e instituições assistenciais. Ou, então, realizam um esforço maior nesse tempo para deixar de falar mal dos outros, passar um tempo maior com a família em vez das redes sociais. E tantos outros jeitos de se aproximar de Deus.

E por que 40 dias? O número é referência e rodeado de significados na Bíblia. Foram 40 dias de dilúvio na época da arca de Noé; 40 dias em que Moisés passou no Monte Sinai em oração; e 40 dias de um deserto tentador no qual Jesus resistiu às armadilhas do diabo. Em todos os casos, preparação, espera e esperança. Esses são os fundamentos significativos do tempo quaresmal, além do convite à conversão. Isto é, à mudança de lado. À volta para o caminho do Senhor. E, de fato, em muitos aspectos da vida hoje necessitamos de um chacoalhão e de um retorno.

Até porque parece que boa parte do mundo está virado de cabeça para baixo. Não compreendo como que damos tanta atenção a programas de televisão, aplicativos de celular e redes sociais que fuçam a vida do outro por pura curiosidade e fofoca. Em vez de buscarmos no outro o encontro com o divino, seja por meio da amizade verdadeira e sincera ou através da ajuda, do acolhimento e da elevação da dignidade humana. É preciso apontar e cancelar menos e ajudar a erguer e levantar o outro mais. Isso exige conversão, mudança de vida. E a Quaresma é tempo ideal para reflexões como essa.

Sem entrar no mérito político, principalmente, o partidário, está na hora de nossos eleitos, usarem o tempo quaresmal para converter os projetos pessoais em atitudes para a população. Não se pode faltar ao povo oxigênio, vacinas, remédios, escolas, educação de qualidade, segurança, equipamentos e itens essenciais à vida, entre tantas outras coisas. E isso exige mudança de atitude de quem está no poder. Mais ainda, transformação de quem elege. Afinal, a Quaresma é o período ideal para nos prepararmos. E depositarmos nossas esperanças no Cristo que ressuscitará. Sem nos esquecer de fazer, cada qual, a sua parte.

E você, aí? Está desanimado? Ou cansado das mesmices da vida? A pandemia do coronavírus levou algum ente querido seu? Deixou sua família em dificuldades financeiras? Quando entrarmos na Quaresma, muitas vezes cabisbaixos e tristes com nossos pecados ou adversidades da vida, Deus nos surpreende com a luz no final do túnel. Ou melhor, com a Luz que ressurge das trevas – que vence as trevas, na realidade – e que devolve ao mundo e ao povo a esperança e o amor que lhe são devidos. Basta ter fé. Você tem?

Padre Rodolfo Trisltz é pároco e reitor do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, na Vila Nova em Londrina.