A pandemia tem nos causado um sofrimento angustiante no enfrentamento da doença, e o processo de luto tem se tornado um exercício diário, com tal frequência e intensidade, que se torna difícil saber como lidar com esses sentimentos. A morte se apresenta de diversas formas, seja nos noticiários, das pessoas desconhecidas que ouvimos falar, ou de alguém próximo, do seu próprio lar. E este luto é compartilhado por muitas famílias de forma simultânea. Vivemos um luto coletivo.

“O sofrimento só é intolerável quando ninguém cuida”, disse uma vez Cicely Saunders, que foi assistente social, enfermeira e médica. Esta sua formação múltipla ocorreu pela sua busca incessante de promover alívio para os pacientes com doenças incuráveis, principalmente de câncer. E em busca de aliviar o sofrimento de seus pacientes, iniciou um movimento que seria uma nova especialidade na área da saúde, hoje conhecida como cuidados paliativos.

Com o objetivo de fazer o melhor possível para aliviar a dor, a falta de ar, a dificuldade de dormir, o abandono e a falta de humanização nos serviços de saúde e todos os aspectos que influenciam na qualidade de vida do paciente e seus familiares, os cuidados paliativos são mais do que atender a últimos desejos ou um luxo a ser incluído na atenção do paciente, é um direito humano. Direito de ter os sintomas bem controlados até o fim da vida, ter atenção nos aspectos psicoemocionais e nos anseios familiares, e de ser informado e ter protagonismo nas decisões que afetam sua vida, com empatia e dignidade.

Lidar com o fim da vida não é algo novo. A morte sempre esteve próxima, mas não tão evidente. Ela acontecia nos hospitais, atrás de biombos, ou às vezes, em menor quantidade, na rua, em casos de acidentes ou de violência, sob corpos cobertos de um desconhecido. Mas ela estava lá. E a pandemia expôs a necessidade urgente de iniciativas e suporte em cuidados paliativos nos serviços de saúde, não só para o momento atual, mas para algo que sempre nos acompanhará, que é o lidar com os sofrimento humano, os sintomas desconfortáveis, as doenças graves, o fim da vida e o luto.

Com esta abordagem poderia haver uma identificação mais clara de pacientes com possibilidades de resistir ao processo de tratamento intensivo de uma UTI ou não, a adoção ampliada de medidas de conforto para a falta de ar ou dor, favorecimento da decisão compartilhada com o paciente e abertura de canais de comunicação ativa com os familiares.

Diversas diretrizes da OMS, do Ministério da Saúde e, no Paraná, pela Lei Estadual 20091/2019, estabelecem a necessidade dessas iniciativas nos serviços de saúde, mas ainda está mais no papel e pouco na prática diária e na formação dos profissionais da saúde. Pensando nessa necessidade, o Instituto Palliare, uma entidade sem fins lucrativos, voltado para a promoção, o estudo e a capacitação em cuidados paliativos, faz o convite para que a população, os legisladores, gestores e trabalhadores da saúde se aproximem da discussão deste tema tão necessário para ampliar o acesso da população nesta área do cuidado à saúde. Comparado a outros países, o Brasil ainda tem muito a avançar na área e, o que já era uma demanda crescente antes da pandemia, tornou-se urgente neste momento.

Beatriz Zampar, médica, presidente do Instituto Palliare, e Fernando C. I. Marcucci, fisioterapeuta, vice-presidente da entidade