Leio na rede (El Pais) que após mais de cinco anos descobriram o corpo mumificado de Rosário Quintero, em Espanha; o cadáver foi encontrado em um apartamento que Rosário locava. Estava estendido no chão. Ninguém lhe sentiu a falta por mais de cinco anos...

Sério isso? Família (tinha?), senhorio, vizinhos, companhia de luz, de água, de gás? Síndico? Prefeitura?

O cerco se fecha em torno da ausência de empatia que abate a humanidade e isso é o que de pior podíamos contabilizar em nosso modelo de vida, eis que as trevas adiantam seus peões no xadrez da história – são muitos os convidados e a messe parece ser para poucos...

Vamos por este caminho? Afinal, o que passa com o mundo na quadra atual de nossa existência? Cansamos de estar no topo da cadeia alimentar e estamos a aguardar nosso próprio declínio?

Não sei. Como de resto sigo não sabendo muita coisa. Não sei como alguém possa dizer não à ciência e negar a vacina, alimentando a morte que vem com a peste.

Mas sei o custo da indiferença. Aqui e agora a indiferença se mede no cadáver mumificado de Rosário Quinteiro, insepulto por mais de cinco anos em Espanha...

Sei, também, o alcance da ignorância terraplanista, suposto que a ciência desrespeitada não é senão a antessala do abandono e da desilusão...

Outro dia um amigo querido desnudava, em um churrasco, a visão de mundo de um conhecido nosso: ‘fosse meu filho gay eu o expulsava de casa’. Como se expulsa um filho da casa em que nasceu, seja o rebento gay, palmeirense, evangélico ou curitibano?

Ser pai e mãe não seria imensamente maior que ser o juiz da cria? Contrario senso haveria um amor maior do que a ligação materno/paternal? Afinal, o filho que não é exatamente aquilo que planejamos é menos e nos merece menor amor?

Pode isso Arnaldo?

Continuo perdido nesse mundo digital, dominado por pastores fundamentalistas, padres ignorantes, políticos que não gostam de pobre, pobres que gostam de políticos que lhes prejudicam...

Tenho, todavia, uma convicção: Não há nada pior que o amor relativizado e pautado por pensamentos conservadores e preconceituosos...

Essa represa emocional pariu o mal e o mal levou Marielle. Aliás, qual o pecado de Marielle? Ser negra? Comunista? Pobre? Lésbica? Carioca?

Qual mensagem o assassínio de Marielle passa?

Há tempos quero voltar para Marte e levar comigo a mulher da minha vida, meus filhos, minha doce mãe, meus discos e livros e o Corinthians.

Problemas, todavia, impedem meu retorno: Como levar comigo o Corinthians se ele já me possui? E a vontade dos que amo? Carrego as lembranças desse amor ou amo o que transporto sem lembrar o que não levei?

De toda sorte, como sobreviver em Marte sem o Corinthians – aliás, haverá um Corinthians marciano?

Sigo não sabendo quase nada e, a parte disso, todos os sonhos que sonho procuro mantê-los, suposto que há no sonho mais métrica e rima que nas canções que o embalam. Sonhar é viver sem medo de estar.

A humanidade desperta levará quanto tempo para entender que as bruxas queimadas (na e pela inquisição católica) não eram senão mulheres que, esteriotipicamente, escapavam dos padrões machistas de época?

Seguiremos este prumo torto? Esta rédea solta? Não sei. Gostava de sabê-lo, mas não sei...

Aliás, a cada tombo cidadão que a noite traz, me sinto menos eu e mais um imbecil qualquer que negaciona ilusões e abraça circunstâncias...

Sou herdeiro daquela bruxa que os negacionistas do passado queimaram, para manter flácido o falo e sepulto o conceito de empatia...

Quanta bruxa se perdeu na covardia do machismo?

Há, todavia, uma última bruxa voando livre por aí; sua vassoura alimenta nossa solidão e essa angústia abraça minha necessidade de viver, ao tempo em que conjura hipóteses de ilusão.

Neste ambiente assisto ao inconformismo de meus filhos, prisioneiros das ilusões de bondade e respeito, perdidos em meio a ignorância do mundo.

Terraplana já possui a senha de meu celular e o sucesso de nossos dias não queima o fio de um cigarro californiano, mas o púlpito de neopentecostais, que aliam sucesso financeiro a vontade divina...

Faltava isso: O cara cuja santa Mãe mandou fazer vinho de água é abandonado na própria pobreza. Sucesso já não é felicidade e sim a ideia de felicidade que os assaltantes da palavra manifestam...

Estamos infelizes por mais tempo do que a ideia de infelicidade poderia projetar. Há caminho a trilhar e a distância não anima. O que anima é o álcool.

Um vento norte, um vinho forte, uma uva delicada. Morremos por menos, vivemos por quase nada...

Quão distante das bruxas a vassoura está? E as igrejas? Os ‘homens santos’? Que tolice nos reservou a mesa no disputado restaurante do século da peste?

Enquanto os sapos coaxam, as rãs se pronunciam com graça e leveza. Perdemos, mas a dor remanescente não desatina sem doer, suposto que o enterro das virtudes é a ausência de resposta das flores.

Um último suspiro faz brotar devaneios de nós dois. Entristecemos cedo demais.

Saudade Pai.

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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