Hoje, diante da propagação massiva de informações graças às tecnologias digitais e da falta de uma sólida formação educacional de grande parte da população, a disseminação de ideias anticientíficas encontrou um palco perfeito. Não é mais incomum nos depararmos com negacionistas científicos: pessoas que dizem que as teorias científicas são falsas.

Tenho aqui dois objetivos: o primeiro é evidenciar que ser negacionista é mais do que se recusar a crer em algumas coisas que a ciência diz, é também negar os próprios fatos do mundo, o que diverge radicalmente das visões filosóficas do realista ou do antirrealista científico. O segundo é mostrar porque a ciência, através de sua construção, merece ser levada a sério.

O realista afirma que podemos crer que as teorias são verdadeiras em algum grau. Já o antirrealista crê que não podemos afirmar que as teorias são verdadeiras, pois podem ser representações possíveis que se encaixam nos fatos da realidade e conseguem explicá-los. Contudo, há uma coisa em comum entre as duas posturas e que as afastam do negacionismo, a saber, voltar o olhar para a prática científica e tirar suas conclusões a partir dela.

O realista e o antirrealista sabem que a ciência se relaciona com o mundo real de alguma maneira, já o negacionista acha que é tudo uma farsa. Mas, por que os dois primeiros confiam na prática científica?

As teorias científicas oferecem explicações, soluções e previsões sobre o mundo. Se tais explicações não funcionassem, dificilmente teriam o respaldo social que recebem.

Pensemos uma situação: um cientista com muitos anos de estudo está se debruçando sobre a cura da doença D e desenvolve um possível fármaco que deverá passar por alguns testes para poder ser apresentado em um artigo científico a ser enviado para alguma revista universitária. Após uma possível bateria de testes feitos pelo laboratório da revista, bem como a análise minuciosa de especialistas, o artigo poderá ser: recusado, aceito ou aceito sob correções.

O processo em geral parece simples, mas não é. Todas essas etapas consomem muito tempo e recursos. Após uma possível publicação do artigo, as avaliações não terminam. Toda a comunidade científica se depara com o que está escrito e avalia se vale a pena ser levado a sério. Se acreditam que vale, colocam em prática o que está exposto no artigo e, então, temos a parte crucial do jogo: se funcionar, levarão adiante como um conhecimento sério; mas, se falhar, a reputação do autor e da revista pode ser arruinada.

Esse é o jogo da ciência: um diálogo com a realidade, seja explicando-a objetivamente ou criando representações possíveis que se aproximam de alguma forma do mundo real, mas nunca inventando absurdos fictícios que a neguem.

O negacionista possui dois problemas. O primeiro é desconhecimento histórico. Basta lembrarmos da varíola e quantas pessoas perderam a vida para essa doença. Caso as vacinas, que frequentemente são recusadas por negacionistas, fossem só invenções que não funcionam, como podem explicar o desaparecimento da varíola?

O segundo problema é não compreender que não se joga um quebra-cabeças somente com as peças que lhe agradam, isto é, não podemos escolher somente os enunciados científicos que nos convêm e ignorar o resto.

Como diria um amigo meu: “você pode ser um antievolucionista, mas nunca mais comprará um antibiótico”. Essa frase ilustra a incoerência do negacionista: é fácil negar a teoria da evolução em uma roda de conversa, mas na prática isso implicaria abandonar todo o mundo em que estamos inseridos e com ele os antibióticos que o negacionista toma e que foram desenvolvidos a partir da teoria da evolução.

Por fim, a conclusão é óbvia: se compreendermos a seriedade da ciência, podemos ser realistas ou antirrealistas, mas nunca negacionistas.

Gabriel Chiarotti Sardi, aluno do Mestrado em Filosofia da UEL, de Ribeirão Claro