Mas afinal, onde estão as pessoas que habitavam este lugar? O barbeiro de mãos trêmulas, a velhinha arqueada que puxava um carrinho de feira de rodas bambas, a senhora alegre que tomava cerveja de balcão logo de manhã, o velho dono de bar de bochechas avermelhadas, o senhor que acompanhava com os olhos o movimento da rua? E a criançada que fazia algazarra na saída da escola?

Onde está o vira lata de coleira puída que ocupava a calçada estreita? O canário da gaiola do bebedouro em forma de flor? Onde está o grande abacateiro que abraçava a esquina inteira? As mangueiras que preenchiam os quintais? As espadas-de-são-jorge que protegiam cada beco, cada palmo de chão?

Onde está aquela placa da pastelaria - bebidas, doces e salgados, que marcava a esquina, praça do bairro? Onde está a placa da Barbearia Três Irmãos, sempre fincada na fachada? Onde está a Casoni?

Crio coragem. Saio caminhando. A quitanda resiste bravamente com uma barricada de melancias e abóboras. A casa de carnes anuncia novas ofertas. Um ponto de táxi, o de número 4, ainda exibe o telefone de quatro dígitos: 22-3344.

Um caminhão baú vermelho estaciona com as rodas duplas sobre a calçada. Leio na porta traseira: Pressão Alta - 16 por 20. Apresso os passos. Atravesso a rua. A Casoni em tinta fresca após o Projeto Cidade Limpa agoniza. Só a cor das paredes é viva.

Fiz essas anotações em 5 de janeiro de 2012. Complemento agora, no inicio de abril de 2021, feriado de Páscoa.

A Casoni resiste, dez anos depois. Placas de aluga, vende, aluga ou vende na rua Caraíbas parecem aumentar em tamanho e número. Efeito Covid -19? A esperança do novo mais o desânimo vão apagando reminiscências do passado.

Sim, encontrei novos personagens. Talvez ainda saibam contar a história do lugar. Uma senhora nikkei, idosa, caminha lentamente pela calçada estreita. Para e ajeita as folhas da espada-de-são-jorge plantada na calçada do vizinho adiante. Existe quem cuide da rua. Outra senhora, de sacolas na mão, descansa longamente, apoiada na mureta do açougue que fechou. Por uma cidade mais humana.

Na mercearia da esquina, a barricada agora é de melancias e abacaxis em pé. Lembrei do dono da farmácia, ex-sorveteiro na rua Sergipe. Contou tempos atrás que fazia sorvetes com frutas da chácara, até a chegada de corantes artificiais. A padaria continua firme. Do balcão junto à vitrine continua a melhor vista da rua.

Tento fotografar uma viela. Um cachorro corre lá do fundo e late. Sim, ainda há território a defender. No quintal abandonado, entre os restos de um incêndio, um pé de limão bravo cresce vigoroso. Nas frestas entre a fachada e a calçada brotam mudas desconhecidas. Terra roxa?

Na antiga Barbearia Três Irmãos, o novo dono recoloca a placa fincada. Agora só Barbearia, em letras góticas. A placa da antiga pastelaria desapareceu de vez. Mas, o bar de balcão permanece. A continuidade de uso é um aspecto que traz alento. Identificar edificações-tipo e verificar a possibilidade de permanência e adequação de usos é uma estratégia. É preciso criar urgente mecanismo de incentivo. Preservar e reconstruir atmosferas.

Essa parte da Casoni foi loteada em 1937. Fora do quadrilátero da Planta Inicial de Londrina (CTNP, 1932), as datas tinham preços convidativos. No Documento para Discussão do Plano Diretor em 1995, a Casoni já havia sido apontada como área de interesse histórico morfológico. Juntamente com Heimtal e Shangri-lá. Depois discutimos a não conveniência de alargamento da Caraíbas. A mobilidade não é tudo em áreas urbanas históricas. A Cidade Limpa apagou parte da história impregnada em placas e letreiros. Tivemos tempo e oportunidades.

Discute-se a questão da cidade longeva, inclusiva e de ruas calmas. Ruas seguras, de atmosferas reconhecíveis e de continuidade de usos. Cidade Humana e Atrativa. Viva Casoni, viva.

Humberto Yamaki, coordenador do LabPaisagem da UEL