"Eles têm um pênis na porta da Fiocruz. Todos os tapetes das portas são a figura do Che Guevara, as salas são figurinhas do Lula Livre, Marielle Vive", afirmou a secretária Mayra Pinheiro, alcunhada "capitã cloroquina", sobre a fundação...

Em tempos de notícias falsas e de mentiras despejadas com exclusiva orientação política, o resgate à verdade, se não melhora a vida, enobrece a alma...

A Fundação Oswaldo Cruz é a instituição de ciência e tecnologia em saúde pública mais importante da América Latina e assim vem sendo, desde sua criação (em 1900) pelo sanitarista Oswaldo Cruz...

A Fiocruz seria motivo de orgulho em qualquer país. Aqui e agora, negacionistas que estamos e abjuradores da ciência que encenamos, a Fundação é atacada por motivos políticos...

Que país é esse? É o país onde a secretária de gestão do trabalho e da educação na saúde, então lotada no ministério da saúde, cunhou as críticas políticas (‘pênis, Che Guevara, Lula livre e Marielle vive’) em desfavor da Fiocruz. Mayra foi ouvida na CPI da Covid-19 e sua fala é, no ponto em que acompanhei, um apanágio à ignorância...

Esgrimir motivos concretos e alinhá-los, desenhando uma ideia, é da essência do debate. A fala da secretária, todavia, não sustenta sequer um rebate, suposto que ao se limitar aos pesquisadores, deixa de apontar qualquer dado cientifico...

"Capitã cloroquina" esgrime deplorável papel político ao pelear a descrença da Fiocruz não por sua qualidade científica e sim pela suposta coloração política de seus pesquisadores, fruto da grandeza da academia que seus apaniguados desprezam por pura ignorância...

Há, ademais, uma estranha fixação dessa gente pelo pênis. Não sei de onde veio e nem qual sua orientação, mas é notável como há quem se ocupe do pênis alheio e o veja em portas, goiabeiras...

Pênis do outro à parte, a distopia pontual que capitã cloroquina estabelece, ao cair na rede mundial já vem malhada, pronta para uso entorpecente – droga que é e confusão de ideias a que se propõe...

Quando mais de cem anos de história são questionados pela suposta opção política de cientistas, isso me leva questionar: Doente e necessitando de uma cirurgia emergencial, o que você buscaria? Um médico por excelência ou um seu aliado político? Você sente uma dor no coração. A sua direita está Ronaldo Caiado a esquerda Francisco Gregori; em quem você se socorre? Corro em vossa direção Chico, valha-me por seu conhecimento...

Devemos honestidade à história, que ela não se reescreve – não se pode voltar no tempo; assim, escrever a história segue sendo registrar manifestações e fatos cotidianos, em ordem a estabelecer seu significado, descobrindo signos e revelando consequências.

A história impõe a essência da própria importância cognitiva e, neste ponto, conhecê-la é imperativo para estabelecer parâmetros e fixar nossa capacidade de assimilar, de compreender, de respeitar...

Todavia, só conhece história quem dá valor às crenças sem idealizar o destino nas mãos de outro. É por isso que devemos dar ao mito o seu próprio contorno – conforme Pessoa (Ulisses, in Mensagem), o "nada que é tudo; a lenda se escorre a entrar na realidade. Por não ter existido nos bastou".

Assim é que haverá de bastar a distopia que instituiu a normalização da morte em nosso cotidiano, banalizando vidas que sempre foram tangidas pelo interesse invisível do capital.

Mitos são criados para serem desmistificados pelo próprio gado que, mugindo, saúda a morte na opção negacionista que fez da cloroquina a lança que lhes está a tanger, desde o século XVI – a diferença é que havia verdade quando o grumete gritou - Terra à vista; suposto que se avistava, de fato, terra...

Hoje, quando a capitã cloroquina se põe a desmerecer uma de nossas mais notáveis instituições, vomitando suposto alinhamento político de cientistas e colocando um pênis em sua porta, sem qualquer salvaguarda da excelência da pesquisa então desenvolvida na Fiocruz, está estabelecido o espectro irracional que dá voz ao gado e alimenta o uso da canga.

A nós outros que não estamos concordes em sermos tangidos, lembro que existe mais no pasto que comida; há o verde da grama em sua incessante busca pelo dourado da vida.

‘Eppur si muove’; sem cloroquina, com vacina, máscara, distanciamento social, pagamento de um valor mínimo e digno enquanto a pandemia durar e outras políticas sociais a mais...

João dos Santos Gomes Filho, advogado