A Agência Nacional de Saúde, órgão regulador do governo federal responsável pelo controle das atividades das operadoras de saúde, anunciou, de forma inédita, um ajuste dos valores dos planos individuais negativo de -8,19%, numa atitude que vêm sendo interpretada como benéfica por alguns setores, mas prejudicial por outros.

Shot of a stethoscope and a clipboard on a desk with a doctor and patient in the background
Shot of a stethoscope and a clipboard on a desk with a doctor and patient in the background | Foto: PeopleImages

A Agência justifica essa decisão alegando queda das despesas assistenciais das operadoras e planos de saúde devido ao Covid-19. Afirma que desta forma deverá ocorrer uma redução proporcional do valor da mensalidade para os beneficiários. Toma como base a variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor) associado ao IVDA (Índice de Valor das Despesas Assistenciais) mas não leva em consideração outros índices que impactam de forma mais significativa os custos assistenciais que são a inflação de saúde e o VCMH (variação do custo médio hospitalar).

A medida é polêmica em todos os sentidos por não levar em consideração uma série de outros fatores que tornam questionáveis as argumentações da ANS. O primeiro fato é que temos no país diferentes tipos de empresas que operam planos de saúde, como por exemplo as medicinas de grupo, verticalizadas, rede própria e modelo de gestão centralizado, que atendem em maior proporção os planos de pessoa jurídica, e as cooperativas médicas, como as Unimeds, que não visam lucro, trabalham em rede, têm em sua carteira grande parte do atendimento de planos de pessoa física e familiares, com modelo de gestão e governança cooperativista, o que implica ampla integração com o setor público.

Nesse um ano e meio de pandemia pode-se afirmar que boa parte dos investimentos realizados para enfrentar a pandemia em diversas localidades vieram das Unimeds como as EPI’s (elementos de proteção individual), leitos de UTI, hospitais de campanha – que atendem de forma unificada pacientes do sistema público e privado, investimento em equipamentos de telemedicina, apoio técnico e financeiro nas atividades das secretarias de saúde, apoio a grande número de cooperados, investimento em “kits” para diagnóstico, além de transcorrer todo esse período sem promover nenhum corte de pessoal. Ao contrário, prontos atendimentos e estruturas de atendimento domiciliar tornaram-se referência para diagnóstico e tratamento de Covid, aliviando de forma significativa o setor público.

Da mesma forma, as patologias habituais tiveram redução, porém, não deixaram de ocorrer sendo mantidas as estruturas dimensionadas para doenças cardiológicas, oncológicas, gestantes, trauma, procedimentos de urgência, dentre outros, as equipes técnicas se desdobrando para manter esses atendimentos e, ao mesmo tempo, fazer frente a nova demanda relacionada ao Covid-19. Se houve uma redução do custo assistencial e da sinistralidade – que na prática não foi tão significativa (de cerca de 80 % cai para cerca de 70%) - as despesas habituais continuaram e a necessidade de investimento nas estruturas acima descritas aumentaram expressivamente.

Agora, num momento em que há um prenúncio de retorno à “normalidade”, onde teremos os dois mundos convivendo – manutenção da pandemia e recorrência e aumento das outras patologias – a ANS anuncia um decréscimo que representa um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões para as operadoras. Lembrando que dos 8,2 milhões de beneficiários em planos familiares, 50% são atendidas pelas cooperativas médicas, a maioria em pequenas e médias singulares, onde muitas vezes representam as maiores carteiras de beneficiários. Essa atitude da ANS representará uma perda de receita estimada em R$ 1,85 bilhões o que certamente poderá acarretar o fechamento de várias dessas entidades e reversão deste público para atendimento pelo SUS.

Essa medida afetará de forma menos impactante as grandes operadoras que atendem em sua maioria planos de pessoa jurídica que não são afetados pela decisão. A medida da ANS vai trazer uma série de consequências, porém a menor delas será redução das mensalidades pois já não existirão cooperativas em condições de oferecer essa modalidade de atendimento à população.

Omar Genha Taha, médico, com MBA em Gestão em Saúde pela FGV, presidente da Cooperativa de Trabalho Médico de Londrina.

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