No mundo dos insetos não existem relatos de suicídios (ou ''cigarras bomba''). No entanto, temos registros de canibalismos (se alimentam da própria espécie) ou predação (se alimentam de outras espécies), etc.
Vamos ao caso das cigarras. Elas são exclusivamente fitófagas (se alimentam de plantas = seiva), sendo inofensivas para o homem. Na cultura popular, o fato de aparecerem muitas ''cascas'' vazias de cigarras (exúvias) nos troncos das árvores, com aberturas nas ''costas'' (dorso), criou-se a famosa lenda da ''explosão'', muito citada em histórias infantis.
Isto tudo não é verdade, ou seja, as cigarras não explodem. Infelizmente, elas nem sabem cantar. O som típico e ensurdecedor é comumente provocado pelos machos, que possuem um órgão especializado na ''barriga'' (abdômen). Eles emitem sons para atrair as fêmeas para o acasalamento. Cada macho produz um som característico da sua espécie. As fêmeas também podem emitir sons, porém, mais são mais discretas que os machos.
As exúvias, encontradas nas árvores, se referem ao resultado da metamorfose, ou seja, reflexo da mudança do estágio jovem para o adulto. As formas jovens, conhecidas como ninfas, se alimentam da seiva das plantas (especialmente das raízes). Quando chega a primavera, temos aumento de temperatura (calor excessivo) e chuvas em abundância. As chuvas umedecem o solo e facilitam o trabalho das ninfas, que precisam subir até a superfície do solo, através de escavações com suas pernas especializadas. Sobem então até os troncos das árvores para ali completarem seu ciclo à fase adulta e, finalmente, alçar voo, deixando então a última exúvia da fase jovem.
Quando encontramos muitas exúvias num determinado tronco é fácil também observar muitos orifícios nas superfície do solo, geralmente menores que 1 cm de diâmetro, resultante das galerias de escavação. As ninfas podem explorar desde 30 cm ou até mais de 2 metros de profundidade no solo, dependendo da espécie, tipo de solo (arenoso ou argiloso), ou mesmo condições climáticas. A fase jovem é a mais longa, podendo durar vários anos (existem relatos de ciclo de vida superiores a 10 anos).
Os adultos têm vida curta (alguns dias) se dedicando à fase reprodutiva (acasalamentos e deposição de ovos). Os ovos geralmente são colocados em fissuras dos troncos das árvores preferidas para a alimentação (hospedeiras). Eclodem então as ninfas que se dirigem ao solo para se alimentarem das raízes.
As cigarras são insetos pertencentes à ordem Homoptera, ou seja, são sugadoras especializadas devido ao típico aparelho bucal, com estiletes perfurantes. Existem mais de 1,5 mil espécies no mundo.
Em certos casos podem se tornar pragas agrícolas, sendo de ocorrência mais frequente em regiões que cultivam a cultura do café (Minas Gerais, São Paulo e Paraná), podendo até matar as plantas.
São escassos os conhecimentos sobre as cigarras no Brasil. As ninfas passam por 5 estágios de crescimento (instares), podendo se alimentar por vários anos. Este aspecto, aliado à alimentação das raízes, dificulta os estudos biológicos e de comportamento, pois exigem condições especiais para simular a incidência natural.
Nesta primavera, temos observado, em Londrina, uma grande incidência das cigarras e, consequentemente, da famosa ''cantoria'', mesmo no centro da cidade. Com certeza, elas foram beneficiadas pelo calor mais intenso associado à disponibilidade de água no solo, devido às chuvas frequentes, que provocou este surto sazonal. Basta ter um pouco de paciência que elas logo se acomodam na natureza. Felizes estão seus principais predadores, ou seja, os pássaros, beneficiados com este rico e abundante alimento.
Como será que apareceu a lenda da cigarra que explode? Talvez seja fácil deduzir, empiricamente, que é muito mais simplista falar em morte por explosão do que explicar o ciclo biológico para as crianças ou para leigos. Mas os tempos são outros, e as crianças também. Vale a pena cultivar a verdade.

AMARILDO PASINI é engenheiro agrônomo, doutor em Entomologia e professor do departamento de Agronomia na Universidade Estadual de Londrina