Recebo vídeo em aplicativo celular (WhatsApp) mostrando uma vara de capivaras atravessando rua de Curitiba, próxima a um parque da cidade, pela faixa de segurança. No mesmo dia um outro vídeo me foi enviado, trazendo imagens de um cardume de peixes nadando no poluído rio Pinheiros, em São Paulo.

Ambos os vídeos desanuviam a pandemia e, nesse norte, resgatam nosso ‘status quo’, lembrando que a esperança já ‘não vem das antenas de TV’ e sim de capivaras civilizadas e de peixes transgressores...

No universo de meus desatinos jamais pensei que o abismo que Curitiba plantou entre minhas lembranças felizes e a realidade distópica de nosso tempo (que venho esgrimindo nesta Folha ao longo da pandemia), seria desafiado por capivaras que atravessam a rua pela faixa de segurança.

Tampouco que minha paixão bandeirante (vai Corinthians!) fosse avivada por peixes nadando em cardume pelo rio Pinheiros, notório por sua severa poluição...

‘E pur si muove’, já disse Galileu após negar o heliocentrismo ao tribunal da inquisição (e, assim, escapar da morte), em que pese terraplanistas negacionistas (com o perdão do pleonasmo) insistam na imbecilização por atacado...

Negacionistas imbecis (de novo me desculpo pelo pleonasmo) à parte, penso que há mais civilidade na metáfora patrocinada pelos roedores agigantados do que em muito passeio de elevador à que me propus pela capital dos parnanguaras...

Deveras, a vida imita a arte e esta, de sua parte, se revela em quatro patas sobre aquela linha branca que assegura a própria travessia. Se isso não revela, com a ênfase da certeza certa, o melhor caminho, com segurança metaforiza a vida que segue apesar das dificuldades...

Imagino que capivaras não se criem no concreto armado com mais felicidade do que em matas, banhados, lagoas, pastos – enfim, longe do asfalto. Mas foi no asfalto (sinônimo então de dificuldade) que os agigantados roedores mostraram (ao menos para mim) que o chão concretado não elide a necessidade delas próprias exercerem uma certa ‘cidadania’...

Mas não seriam apenas capivaras civilizadas a brandirem as cores da esperança (e discordo de quem diz que ela é verde, pois que a esperança sempre será, corinthianamente, preta e branca); eis que os peixes transgressores desafiando a poluição estúpida do rio Pinheiros nadavam para mostrar aos bandeirantes que a vida tanto quanto se renova...

A esperança, então, já não vem ‘das antenas de TV’, mas sim de quem nos mostrou que a vida segue em frente. Viver, pois, ‘segue sendo maior que sonhar’, desde que Belchior nos mostrou que o caminho deste (o sonho) só é grande o bastante se valorizar aquela (a vida)...

Todavia e ao que consta, não me parece que o poeta nordestino extraordinário (qual deles não o é?) tenha recebido qualquer vídeo de capivaras parnanguaras e peixes bandeirantes...

Isso, entretanto, não diminui a força cogente da vida se revelando nos sonhos utópicos de animais que desafiam o óbvio e, desafiando-o, reafirmam a grandeza e urgência do ânimo, ainda que os tempos sejam infelizes...

Não ouso por reparo em nada, todavia e doravante, que venha de capivaras parnanguaras e de peixes bandeirantes, suposto que os bichos pré-revolucionários me deram muito mais do que tenho recebido de imbecis incivilizados que mitigam as minorias e idolatram mitos de aluguel.

Cansei e cansado sigo. Há, entretanto e agora, uma motivação maior a me lembrar que ‘a vida segue sempre em frente’ e não há quem possa se interpor a ela.

Obrigado, então, a própria essência de dias cinzas e de anos de chumbo que (lembro) terminam sempre ao final do próprio ciclo e precisam se alimentar para tornarem ao horizonte...

‘Para sempre e um dia’ a natureza torna a dar seu rosto ao painel que cobra de homem e de mulher a retomada de nossa essência (aquela que nos fez progredir enquanto humanidade), impondo uma necessidade de rever os postulados que nos trouxeram ao dia de hoje.

Inclusão e tutela das minorias é pauta de dois séculos que, no Brasil, está esquecida em um canto qualquer...

Saudade pai, você também me ensinou amar peixes e capivaras, ainda que não necessariamente nesta ordem...

João dos Santos Gomes Filho, advogado