Aporofobia é um neologismo que significa aversão, ódio, rejeição aos pobres. O termo originou-se na junção das palavras gregas, á-poros (pobres) e fobos (medo), foi cunhado há cerca de 20 anos pela filosofa espanhola Adela Cortina e difundido mundo afora. Toda a ideia sintetizada numa palavra ou expressão específica, ganha força e favorece o seu enfrentamento. Foi assim com bullying, burnout e tantas outras que enriquecem a capacidade de qualificar a realidade.

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| Foto: istock

A expressão aporofobia, embora tenha sido criada por uma acadêmica espanhola, é uma das palavras que melhor representa a crueldade histórica brasileira. O desprezo pelo pobre manifesta-se essencialmente sob dois comportamentos: O primeiro procura invisibilizá-lo criando um mundo bolha que artificializa o verdadeiro rosto da nação, produz-se um universo paralelo distante do Brasil de fato, onde o pobre ou é ignorado ou romantizado – “é pobre, mas é feliz”. Faz-se uso de um desenho urbanístico que empurra os pobres para as periferias onde não podem ser vistos.

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Por outro lado, a segunda posição assume a face do ódio, no fundo desejam o extermínio ou o adestramento docilizado do pobre, sob a justificativa de purificar a sociedade em nome dos “homens e mulheres de bem”. A pobreza é criminalizada e é alimentada a ideia de que bandido bom é bandido morto. Essa mesma estratégia é usada há séculos e serviu para legitimar a escravidão, a servidão e hierarquizar a sociedade em classes sociais, convivendo-se com a exploração e a opressão sem culpa.

Aporofobia não é um traço natural, um determinismo genético, mas uma produção meticulosamente concebida para segregar, estratificar e justificar a exploração. Ao qualificar o pobre como inferior, difunde-se a ideia de que cada um tem o que merece. A injustiça de berço tenta ser encoberta em nome da ideia de meritocracia. As classes altas forjam condições para que as classes baixas se vejam como menos capazes e facilmente domesticáveis, porque dominação precisa convencer o dominado que ele é inferior. Por isso o medo de ver o pobre na universidade e ocupando lugares de destaque na sociedade.

A aporofobia expressa-se em números: A quantidade de brasileiros em situação de extrema pobreza cresceu de 19 milhões em 2020 para os atuais 33,1 milhões, um aumento de quase 60%. Quando são incluídos os que se encontram em situação de insegurança alimentar, chega-se à vergonhosa marca de 125 milhões de pessoas. A situação é particularmente escandalosa e revela traços profundos de aporofobia quando é confrontada com o agronegócio de exportação, que bate recordes anuais e se vangloria de alimentar o mundo.

As razões que levaram a tão dramática situação são variadas. O desemprego elevado, a queda da renda, a inflação, além do escandaloso modelo de produção de alimentos que privilegia commodities de exportação para o enriquecimento de poucos - num dos países com maior concentração fundiária do planeta -, em vez de alimentar a própria população. Paralelamente, o atual governo federal foi responsável pelo desmonte da agricultura familiar (a que mais produz alimentos para a cesta básica), do plano safra, do seguro ao produtor, do crédito subsidiado e do estoque de alimentos — o que permitiria conter os preços internos.

Não se trata de um problema de falta de recursos, mas de falta de humanidade. Prioriza-se o acúmulo patológico de riqueza para menos de 1% da população, no lugar de preservar a vida de milhões. Esse é o retrato do país mais injusto do mundo, e por mais perverso e iniquo que possa ser, ao se naturalizar a situação, passa-se a agir como abelhas reproduzindo comportamentos sem reflexão, o que nos faz partícipes de tamanha crueldade. Como nos diz o sociólogo Jessé Souza, “o ódio ao pobre é a versão moderna do ódio ao escravo”.

Miguel Luzio-Santos, professor de socioeconomia da UEL. Autor do livro: Ética e Democracia Econômica.

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