Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - Adeus maestrina...
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Recebo de um amigo querido (Adriano Diogo, mister direitos humanos) a notícia triste do passamento da fabulosa Advogada criminalista Eny Raimundo Moreira.

Eny, mineira de Juiz de Fora, iniciou na profissão enquanto estagiária do maestro de tutti maestri, Sobral Pinto, tendo se notabilizado por defender presos políticos nos anos de chumbo.

Na sequência da notícia de seu decesso, chega a meu aplicativo WhatsApp um artigo belíssimo de Frei Betto, contando uma passagem da Advogada Eny, em 1972. Me emocionei com a leitura e estou, desde então, circunspecto em relação à vida e ao destino que nos socorre quando o desânimo negacionista nos visita...

Conheci Eny enquanto uma das personagens que o saudoso amigo irmão José Mentor retrata em seu livro memória (Advogados da Ditadura) e seu finamento leva indagar se teremos outra valedoura à altura.

Enquanto paladina de direitos, Eny jamais se curvou aos detentores momentâneos do poder (de generais estrelados à juízes mal togados que se apaniguaram à ditadura), justamente por entender a efeméride circunstancial de estar mandatário (democrática ou ditatorialmente).

Deu seu melhor com uma dose abusiva de carinho e generosidade – a lembrança de um Natal (1972) que ela escolheu passar na penitenciária de Venceslau Brás ao lado de cinco presos políticos então misturados aos detentos comuns, retratada por Frei Betto, dá a medida de sua extraordinária atividade, ao tempo em que lhe projeta ao panteão da imprescindibilidade.

Eny não pode e não deve ser desconhecida de qualquer Advogado...

Disse aqui nesta Folha em meu último texto, que a dúvida é o norte profissional do Advogado. Eny transcendeu – no ponto e com coragem de fazer inveja a muito barbado que acredita apenas no grito e em ofensas de nanquim, enquanto meio de atuação – a capacidade de buscar soluções e, na qualidade de herdeira de Sobral (não o somos todos?), jamais se deixou vencer pelo medo...

Com sua passagem para um outro plano (sigo rezando por uma outra vida mais inteligente após a morte), Eny continua sendo uma de minhas medidas. No ponto minha régua segue muito maior que eu.

Não aceitem menos, jovens Advogadas e iniciantes Advogados. Tenham e sejam sempre corajosas e ousados, suposto que a energia moral vos definirá (também profissionalmente) e, na medida de vossa magia postulatória, selará vossa capacidade de enfrentamento...

Desirée Lobo, sócia de mais de trinta anos em minha banca e companheira de vida por igual tempo (quanta história bebê), sempre me lembra o caminho e não me deixa esquecer da linha tênue de atuação, a ser, a todo instante, observada...

No ponto, a coragem profissional, aliada do manejo dogmático e agregada ao conhecimento humanístico, com o devido suporte histórico, filosófico e literário, são a estrada que leva ao reconhecimento – de onde vem glória e pão!

Rendo, pois, todo o reconhecimento possível à Advogada Eny Raimundo Moreira, baloarte da Advocacia, a quem reconheço para além da extraordinária mandatária, enquanto senhora de seu tempo.

Eny foi e segue sendo independente (por toda vida e para além da própria existência). No ponto, deixa em legado a possibilidade/necessidade da independência da mulher profissional, seja em qualquer área de atuação.

Enquanto homens não crescerem o suficiente para respeitar a mulher por sua condição, reconhecendo no gênero apenas e tão somente desigualdades fenotípicas que antes de nos afastarem nos aproximam e atraem, na medida em que os desencontros genéticos não são senão distinções que não demarcam poder nem estabelecem (pró falo) qualquer merecimento a maior, a independência financeira da mulher segue evitando feminicídios e pavimentando a estrada do ser.

Tristes e (hoje) menores trópicos, sem você Eny. Saudade pai!

João dos Santos Gomes Filho, Advogado

A opinião do autor não reflete, necessariamente, a opinião da FOLHA.