Leio na rede mundial que, à exemplo de seu alter ego, o procurador mais famoso da força tarefa lava jato está desembarcando do ministério público para embarcar (de fato e de direito) na vida política...

O que viabilizaria sua candidatura senão sua atuação pelo ministério público, à frente da força tarefa lava jato? Não creio que os irmãos da igreja apoiem alguém que não seja o próprio pastor – afinal, um intermediário só já basta...

As conversas do grupo de aplicativo celular (Telegram) dos procuradores com o então juiz federal titular da jurisdição da operação midiática, expostas pela vaza jato, dão conta de um consórcio político ilícito e ilegítimo. O juiz já havia chutado a toga (depois de mal-usá-la). Agora seu garoto prodígio busca a parte que lhe cabe nesse latifúndio patife...

O movimento do procurador fere de morte a cidadania e o ideário de honra e glória que abraçam a vida pública, na medida em que o uso político da toga, além de criminoso, é deletério cultural da moral e dos bons costumes.

Há, afinal, um preceito ético mínimo do estado? Tal condição legitimaria o uso de prerrogativas funcionais na convolação de interesses particulares?

A sociedade não pode seguir fazendo de conta que não é com ela o enfrentamento. Tampouco projetar ao infinito a querença significativa do lugar comum de que ‘o inimigo do meu inimigo é meu amigo’.

Talvez a parêmia sirva de esforço metafórico, mas não reflete ‘joie de vivre’ suficiente, notadamente neste instante pós-moderno que pariu, no mesmo ninho, o ovo da serpente e sua cria primeva – a fake news...

O inimigo é o fascismo e sua ditadura do pensamento único, construída sobre cinco pilares (chauvinista + antiliberal + antidemocrático + antissocialista + anti-operário, conforme Leandro Konder Comparato), bem assim na tutela do ‘direito’ de grupos que se auto concedem as benesses de uma superioridade social para dominarem as castas que lhes pareçam inferiores, através da ‘remoção social dos não privilegiados pela boa ventura do nascimento’ (conforme Oliver Woshinsky).

O uso político da toga é um dos responsáveis pelo aumento das células neonazistas no Brasil, ao tempo em que propiciou a abertura de caminhos para a tutela odiosa de privilégios da elite econômica, fomentando a neofascização que o best-seller (‘o fim da história e o último homem’) de Fukuyama já anunciava ao estabelecer que a maior fonte dos problemas do capitalismo seriam os países pobres (Afeganistão + Somália + Haiti...)

Hoje, no Brasil, está disseminada a ideia de que o pobre, a mulher, o negro, o homossexual não são senão entraves ao ideário de glória que a elite branca e econômica teria direito – seriam, por assim dizer, nosso Afeganistão...

Colaram nessa miséria um que de religiosidade (senão onde os empresários da fé iriam correr as sacolinhas?) e esse suco de maldade mutacionou o que não seria senão um ‘white people problem’ no fantasma de nossa desesperança, haja vista o implemento das mortes em feminicídio...

Isso tudo desagua no mar de desilusões que a ditadura do pensamento único tutela. Mas não é só essa a nossa tragédia. Convivemos, hoje, com problemas que não conhecíamos antes da deformação de nosso estado democrático de direito (pela ação da condução política da força tarefa lava jato).

Deveras, ao negar o dever de distância que o estado de direito exige, a força tarefa estabeleceu um consórcio justicialista em favor da classe dominante – ou não foi assim que os farialimers emplacaram o candidato que lhes caiu no colo?

Essa articulação política do judiciário negou o estado de distância e rasgou o ‘discurso ético do estado’ (Dussel), suposto que desconheceu a condição de oprimido do outro (jurisdicionado), estabelecendo uma hegemonia própria...

A jurisdição política desconstrói a condição de sujeito ético que o processo salvaguarda em favor do jurisdicionado, estabelecendo uma primavera consorcial que favorece determinado grupo social (economicamente mais forte). Esse é o ovo da serpente que o procurador chefe e o juiz político da lava jato chocaram em seu ninho de interesses privados.

Assisti-los agora postulando a vida política pela via da urna é um acinte. Um tapa na cara do cidadão de princípios. Estariam, todavia, enquanto coautores de nossa realidade sócio econômica aptos a ofertar uma qualquer solução? O que autoriza a fé na intenção pública de atores cujo interesse privado, sob a toga, venceu o dever de distância?

Os trópicos já não estão tristes e sim envergonhados. Há espaço para atores de direita e de esquerda. O debate deve ser, sempre, o caminho que a democracia tutela. O que não se admite, jamais, é a tutela do atalho que estabelece a primazia de uns sobre outros, centrada em motivos sócio econômicos.

Saudade pai, você me ensinou que vergonha seria um limite, jamais uma circunstância justificada...

João dos Santos Gomes Filho, advogado

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