Motivado pelo intenso e mórbido noticiário sobre a invasão da Ucrânia, assisti pela terceira vez o filme Air Force One, de 1997, sob a direção Wolfgang Petersen e com um belo elenco como Harrison Ford, Gary Oldman e Glenn Close. No final do filme o presidente russo, uma caricatura de Boris Iéltsin, cede ao seu colega americano e liberta o terrorista, que, entretanto, é morto antes da fuga.

É um filme apropriado para o momento. A Rússia de Vladimir Putin renasceu das cinzas na virada do ano 2000. O antigo oficial da KGB assumiu em 1999 e se reforçou no poder até hoje, como presidente ou primeiro ministro. É considerado o responsável pela recuperação econômica da Rússia, após a desintegração da URSS e dos descalabros dos anos noventa, em que a corrupção se impôs quase como política de estado.

É um oligarca que rapidamente percebeu a lógica do poder numa antiga potência comunista, mas sem nenhuma nostalgia dos tempos soviéticos! Putin tem, sim, saudades do império czarista. A sua aliança com a Igreja Ortodoxa local e a adoção de uma postura absolutista de possível permanência no poder até 2036, bem como a eliminação de adversários, o aproxima sobremaneira do regime pré-revolução de 1917.

O ditador russo de plantão mostra esse indisfarçável desejo, na medida em que investe pesado nas forças armadas e passa a tentar recuperar pela força ou pela influência econômica antigas províncias. Atribui-se a ele esta frase: “a desintegração da Rússia histórica sob o nome de União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século XX”.

Em 2008 foi Geórgia e, em 2014, a Crimeia. A Bielorrússia, assim como várias outras, já são uma espécie de extensão de Moscou! Refazer o mapa do final do século XIX ou de Lenin e Stalin, parece ser seu grande objetivo, quem sabe uma obsessão. A “mãe Rússia” deverá ser grande de novo, em sentido pleno! No entanto, a sua visão da história da região é claramente míope, restrita e injusta! A Ucrânia precede a Rússia em termos de formação política.

Contudo, a invasão injustificada da Ucrânia parece encontrar muitas justificativas do lado oriental da Europa! Após a queda do muro de Berlim, teriam existido conversas entre Gorbatchov e o presidente Bush sobre limites ao avanço da OTAN para leste. Mas a história seguiu outro percurso e os países do pacto de Varsóvia decidiram se inserir na Aliança militar ocidental e hoje o mapa atual mostra soldados dessa organização na Lituânia, Estônia e Letônia, bem como na Roménia ou Polónia! Ou seja, encostados nas fronteiras da atual Federação Russa!

Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - A vizinha Ucrânia
| Foto: Alexey NIKOLSKY / Sputnik / AFP

A Ucrânia não é um país qualquer! Em extensão, é o segundo maior da Europa. Só perde para a própria Rússia! Embora seja voz corrente na CEE, de que a estratégia de Putin visa "a destruição da Europa democrática, como é conhecida hoje”, tudo indica que possam existir outros interesses que não esses. Realmente, se se verificasse a adesão da Ucrânia à OTAN, misseis no oeste do país estariam “às portas da Rússia”!

Mas não só isso! Estamos falando de números! A nação ocupa o 1° na Europa em termos de área de terra arável; 3° lugar no mundo pela área de solo negro (25% do volume mundial); 1° lugar no mundo em exportações de óleo de girassol; 2° lugar no mundo na produção de cevada, 3° maior produtor de milho; 4° maior produtor de batatas do mundo e outros excelentes posicionamentos em riquezas minerais.

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Putin é, hoje, literalmente, um fora da lei; mas como era até ontem? Todos o viram crescer militarmente e toleraram a corrupção que sempre o cercou, assim como o desprezo pela democracia! Se a guerra fria tinha acabado, havia pelo menos uma pedra no caminho: um país de grandes proporções, com uma história imperial que vinha mostrando não desejar ser apenas “mais um jogador”! O instinto defensivo do gigante dos Urais poderia levá-lo a esta insana e criminosa invasão! Hoje temos uma nova geopolítica mundial embalada por uma nova guerra fria, na melhor das hipóteses! Duvido que alguém saiba como será o mundo depois de amanhã! Mas se a Rússia dos anos 90 tivesse tipo outro tratamento por parte do ocidente, talvez não tivéssemos um Putin!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

Foto: Alexey NIKOLSKY / Sputnik / AFP

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