Para as duas religiões de inspiração bíblica, a palavra Pessach/Pesach em hebraico, traduzida via latim (pascha) para Páscoa, em português, é de extrema importância. Embora sendo bem anterior à Bíblia e possa ter representado alguma festa de índole pastoril, o povo hebreu a consagrou como a memória da sua libertação do Egito, rumo à liberdade. As festividades começavam na tarde do dia 14 do mês lunar de Nisan. O vocábulo, encontra no termo passagem, a sua melhor definição.

Contudo, os acontecimentos históricos e as epopeias de um povo ou de uma religião são revestidos de profundos simbolismos que superam os eventos referidos. Assim acontece com a Páscoa. Não devemos inclusive menosprezar o que muitos consideram desvirtuamentos comerciais da festa, como os ovos ou até o chocolate! O processo que envolve a transformação do cacau nessa iguaria, trilha a mesma senda pascal da “morte para a vida”. “Se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só” (Jo12,24).

O ovo, como símbolo de vida, de fertilidade e de bênção, remonta à antiguidade. Usado em ritos culturais que embalaram os sonhos de tantas crianças na zona mediterrânica, ansiosas com a chegada da época em que pintariam os ovos com vários motivos e os ofereceriam às pessoas queridas. Com a cristianização dessa região, os ovos passaram a ser pintados com as imagens de Jesus e Maria e a representarem o mistério da vida e da própria ressurreição. Apesar de terem sido sequestrados pelo mercado e transformados em ícones do consumismo, não devemos ignorar a apelação simbólica desses elementos.

Para os judeus e para os cristãos, esta celebração é acima de tudo uma memória. Porém, o senso memorial semita é bem diverso do ocidental, que contempla uma recordação impactante, mas perdida no passado! Páscoa é a memória de um fato que se torna atual cada vez que é invocado. A celebração da saída espetacular do Egito, com “mão poderosa de יהוה— Yahweh”, não apenas homenageava um herói ou o evento em si. Naquela noite, quando a família judia reunida evocava o Êxodo, tornava presente e real a ação de Deus na sua vida. O que Ele fez lá no início, o fará agora também! A liberdade e a vida tornavam-se para esse povo, dois bens irrenunciáveis. Essa festa converteu-se na alma de Israel.

Os cristãos encaram o Antigo Testamento como uma prefiguração do Novo. Na noite pascal, resgatam a Palavra, desde a criação, com ênfase na libertação do Egito até ao profetismo de Ezequiel, referindo-se a algo novo que Deus fará, dando vida a ossos ressecados. Mas é o fato da sepultura vazia e do anúncio da ressurreição, que geram um novo tempo, novas certezas, novo povo e um culto sui generis! O desastre da cruz foi aparente! Ele não representou o final do sonho, alimentado durante três anos, nos caminhos da Palestina. Aos discípulos de Emaús, desanimados por essa pseuda derrota e fugindo para os seus afazeres, Jesus se mostra vivo, lembrando-lhes as Escrituras e se revelando sobremaneira no pão e no vinho! (Lc 24, 13-35). A partir desse dia, o primeiro da semana, os crentes fazem memória do fato extraordinário e o atualizam sempre que celebram a Ceia! A morte e a ressurreição de Jesus, constituem-se no epicentro da fé.

A Páscoa é o maior símbolo da vida. De uma vida que renasce e destrói a morte. Da liberdade que rompe os grilhões da escravidão. Da luz que ilumina as trevas. Da graça que derrota o pecado. (Rm 5,20). A Páscoa é a primavera da vida. No hemisfério norte, ela ocorre exatamente nesta estação do ano. Tudo que parecia morto no Inverno, renova-se numa abundância de cores e flagrâncias, inundando de alegria os corações. Em plena pandemia, a celebração da Páscoa é tudo que o mundo precisa. Uma injeção de esperança e vida. As trevas, que agora cobrem a terra se dissiparão!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina