Leio, n’algum sítio da rede, três notícias distintas cujas circunstâncias particularíssimas pareceram se comunicar (entre ambas em geral e com meu alter ego em específico) e muito me impactaram.

A primeira trata do ex-juiz político, hoje residente nos Estados Unidos, onde teria sido vacinado contra a Covid-19. A segunda retrata o assassínio de tio e sobrinho. Apanhados roubando carne em um supermercado em Salvador, horas depois foram encontrados mortos, no porta-malas de um carro com marcas de tiro e sinais de tortura.

A terceira desanuvia a história de Alexandre, o restaurador da praça Chão de Giz, em São Paulo. Após morrer (Covid-19), teve sua vida recente resgatada pelos moradores dos arredores da praça, que lhe dedicaram delicada consideração.

Para estabelecer o parâmetro que as situações me parecem sugerir, parto da tragédia de Salvador...

Pegos em flagrante com a carne roubada de um supermercado, dois cidadãos (tio e sobrinho) não foram entregues pela segurança privada à polícia e sim aos traficantes (ou milicianos) que dominavam o bairro – é o que consta da matéria que li.

Essa opção, de inteira responsabilidade do supermercado, modificou o tear do destino e fixou uma régua distinta no trato da situação: em lugar de serem julgados e punidos pelo estado (caso fosse de julgar e punir), foram sumariamente executados pelos malfeitores (sejam traficantes, sejam milicianos) que dominam o bairro periférico pela ausência brutal do estado naquele sítio.

A atitude do supermercado corrompeu as balizas de convívio em um estado democrático de direito, fixando em seu lugar uma prumada medieval que mitiga a humanidade, ao custo da execução dos desgraçados.

O ex-juiz/ator político não foi pego roubando carne (que eu saiba), mas ao atuar em conluio com a promotoria corrompeu o devido processo e sua parcialidade abasteceu, de um lado, os interesses da Operação Lava Jato e, de outro lado, seus interesses próprios, naquilo que lhe permitiu estabelecer uma aliança com o adversário político de sua vítima de jurisdição – Lula...

Juiz, para ser julgado suspeito pela própria parcialidade, no Brasil, precisa fazer muita, mas muita força e essa força monumental deve desequilibrar o estado democrático de direito, caracterizando a corrupção da atividade judicante – foi este o arrimo daquela fala corajosa e verdadeira do deputado federal Glauber, do PSOL...

Mas o que há entre o ex-juiz político e a administração do supermercado que entregou os ladrões de carne ao alvedrio dos traficantes/milicianos que tacam o terror no bairro periférico de Salvador? Qual o link os aproxima? Qual semelhança os enlaça?

A traição.

O juiz corrupto trai a toga; a administração do supermercado traiu o contrato social, lavando as mãos para o destino dos dois cidadãos apanhados roubando carne em uma sua loja...

Há, assim, entre o juiz corrupto e o supermercado corrompido pela ideia de justiçamento, um liame torpe, revelado no caráter desviado de um e de outro – ainda que um personificasse o próprio estado (o juiz ator político dava jurisdição) e o outro exercesse sua prerrogativa capitalista nos lindes deste mesmo estado...

E o terceiro tema que leio na rede? Do restaurador da praça Chão de Giz? O que tem ele (Alexandre) com um juiz corrupto (pelo interesse próprio que colocou à frente do dever de distância e imparcialidade às partes) e com a administração justiceira de um supermercado?

A princípio nada e até envergonha tratar da conduta do artista em situação de rua e dependente químico no contexto em que trato tanto da vacina pilgrim que imunizou o ex-juiz político quanto do ‘modus operandi’ do supermercado da periferia de Salvador, uma vez que a só proximidade dos assuntos poderia contaminar Alexandre...

O dependente químico em situação de rua transformou uma praça então abandonado pelo poder público, onde construiu com suas mãos trêmulas pelo vício um playground para crianças, pintou amarelinha no chão, fez cavalos de pau e balanços, carpiu a grama e manteve o local limpo, fazendo até uma horta e um belo jardim. Sua grandeza enobrece o espírito – coisa que juiz político que se corrompe e administração justiceira de supermercado que se apanigua com traficantes/milicianos, não têm como perceber...

Alexandre fez na praça Chão de Giz um epitáfio que projeta sua existência ‘ao infinito e além’ (obrigado, Buzz Lightyear) ao passo que a gestão do supermercado sempre precisará de juízes que sejam suscetíveis de se alinharem com narrativas de uma das partes...

Assim, o dependente químico em situação de rua ao colocar o bem comum (recuperação da praça abandonada) acima do próprio interesse é a medida de caráter que penso legar a meus filhos. Todo o demais que tratei aqui constitui vergonhoso monumento que desonra a humanidade.

Tristes Trópicos.

Saudade Pai, você segue restaurando minha vida a cada lembrança, a cada sorriso, a cada gol do nosso amado Corinthians...

João dos Santos Gomes Filho, advogado