Por que esperar o final da era Bolsonaro pra fazermos uma catarse nacional e começarmos a falar de reconciliação? Sabemos que a desigualdade social nos transformou numa das nações mais racistas e violentas do mundo. Contudo, durante o atual governo, aprofundamos as divisões e evidenciamos um manifesto clima de ódio! Vamos virar a página. Milhares de brasileiros ficaram pelo caminho sem o poderem fazer! Está na hora de vermos no outro apenas alguém que pensa diferente e que ama este país tanto quanto nós. Já estamos atrasados na eliminação das injustiças estruturais que geram violência. Não é que seja fácil. Recomeçar é sempre um nascer de novo. Porém, o Brasil necessita urgentemente de brasileiros que, na sua maravilhosa diversidade, evidenciem um DNA nacional e olhem na mesma direção. A crítica a quem está no governo é natural num regime como o nosso, embora sempre tenha existido, até na época do Império. É dever da imprensa livre e direito de qualquer cidadão. Suportar as críticas é salutar e revela maturidade democrática.

No momento em que o país está dilacerado com mais de 217.000 vidas perdidas, a empatia e a compaixão são os dois sentimentos que nos devem conduzir. Eles revelarão a conduta nobre de quem está disposto a se colocar no lugar do outro e a consentir: ou seja, sentir junto, com os que sofrem a separação dos entes queridos. Não tem sido assim nos últimos anos, quando a ideologia nos escravizou, nos afastou uns dos outros e amigos pararam de se falar, bem como famílias que aboliram os almoços de domingo, nos lares das matriarcas. Concidadãos passaram a ser números, numa estatística mórbida e os vizinhos, inimigos. Um pobre país, sem vacina, sem insumos, e rasgado pela intolerância.

Um recomeço exige bater no peito, escrever um panegírico inegociável à verdade e uma renúncia total à mentira, que aparece em forma de fake news proliferando nas mídias sociais. De fato, em cima de um compromisso com a mentira não poderá se fincar qualquer reconciliação duradoura. Por mais árido e agreste que pareça o caminho, beirando quase o impossível, não conheço outro para evitar traumas mais profundos no futuro próximo.

Os EUA estão iniciando essa caminhada, rumo ao resgate dos valores que constituem a espinal medula da nação. Sem eles, qualquer convocatória de Biden seria inócua. Os americanos, como nós, estão polarizados e entrincheirados em suas posições ideológicas. E armados! Em sentido figurado e literal! Busca-se então nesse conflito levantar a bandeira branca do respeito à pessoa e da firmeza dos princípios consagrados pelos pais da pátria e consignados na Constituição. O mundo todo sabe que essa é, talvez, a maior batalha! Um atrito de vida ou morte! Mas a reconstrução da América só passará por aí! Nenhum insano verá numa guerra civil com derrotados e vencedores, a melhor opção!

O Brasil da segunda década do século XXI revelou problemas estruturais e constitutivos da sua nacionalidade, que sangram e apontam para infecções maiores, quiçá, para os pessimistas, uma septicemia. Não a vejo, no entanto, como doença que leve à morte. Conceitos diversos sobre o Estado, economia, reformas e até regimes políticos são inerentes ao atual regime (que muitos criticam). Não fosse a democracia, não haveria a liberdade da diversidade de pensamento. Outrossim, como já aconteceu em passado recente, não é salutar venerar e idolatrar personagens, cuja transitoriedade fugaz podem deixar um vazio nos que lhe atribuíam a salvação da pátria. A constatação de que homens e mulheres eleitos são vulneráveis e passíveis de erro levou um autor desconhecido a preconizar que “políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo”. Num país como o nosso que já demonstrou maturidade ao cassar dois presidentes e provou que as Instituições funcionam é de bom tom que as coloquemos acima dos que ocasionalmente ocupam cargos eletivos.

Reconciliação nacional é também questão de economia. Num momento em que tanto lamentamos o desemprego, a fome, a miséria, derrubarmos muros e construirmos pontes, melhora não só o alto astral e reduz as mortes violentas, como nos coloca no trilho do progresso. Afinal, paz e desenvolvimento andam de mãos dadas.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina