Quando o número recorde de mortes diárias, infelizmente ultrapassado em poucas horas, chama menos a atenção do que o aumento de combustíveis ou a intervenção presidencial na Petrobras, acendem-se luzes vermelhas na sociedade. É acima de tudo ético o problema do Brasil. Algo que se torna mais estranho e bizarro, quando sabemos da extensa religiosidade dos brasileiros. Embora não seja pacífico, que religião e ética sejam siamesas, não há de se duvidar também, que o ethos cristão-bíblico, hegemônico na população, aponte para uma sensibilidade epidérmica à vida humana enquanto tal. Mas não é isso que temos! A pressão de evangélicos e alguns católicos para permanecerem com templos abertos em momentos de lockdown, reflete uma discrepância perigosa e relativização de valores que são essenciais para essa religião.

Uma risada sonora ecoando numa esquina repleta de jovens, no dia em o Brasil atingiu 1800 mortes por Covid, é um caso de estudo. Junto com as gotículas que voam em todas as direções, estão a apatia e a indiferença, que começam a matar bem antes que o próprio vírus, que avança galopante sobre novos e velhos. Somando-se a essa boca escancarada, a ausência de máscaras em todos os elementos, temos então o retrato falado do crime em forma de deboche. Não são raras infelizmente, as situações a que me referi e elas denotam um povo, não somente cansado, mas mórbida e perigosamente habituado aos milhares de enterros, inclusive de entes queridos.

É certo, que a morte nos ronda no Brasil escondida sob várias máscaras. É também fato que a vida de milhões de brasileiros tem as marcas de uma morte lenta e persecutória. Porém, estará a moral de um povo, no caso o brasileiro, revelando a sua pior face? Corresponderá à verdade, a percepção de que o brasileiro em geral, é solidário, sensível e preocupado com o bem comum? Não temos respostas fáceis. Contudo, é em momentos dilacerantes e de limite, como este da pandemia, que afloram os melhores e os piores sentimentos do ser humano. Uma gargalhada inoportuna e um boicote à máscara, são sim sinais evidentes do desprezo pela vida alheia. Muitas vezes, repito, de pessoas queridas!

Por outro lado, a vida está longe de ter primazia para determinados setores do país. A economia, essa sim, é a grande prioridade. Não de agora, mas de sempre! Ao defenderem por exemplo, a “imunidade do rebanho”, sustentam que uma boa parcela da população sucumba para salvar o país!

Leia-se, a economia! Este pérfido equívoco ficou evidente desde o início da pandemia. Em nenhum momento, até hoje, houve qualquer cedência dessa parcela, para que a vida humana se constituísse naquilo que naturalmente deve ser: a grande prioridade! O negacionismo, os tratamentos precoces, as atitudes do presidente conspirando contra, e as reais dificuldades dos empresários, sempre foram as armas usadas para priorizar a sobrevivência econômica. Haverá, contudo, superação da crise com o sistema de saúde colapsado, famílias enlutadas e vacinação a passos de tartaruga? É uma insanidade pensar que sim. A morte cobra um preço insustentável. A reação dos seguidores do presidente aos lockdowns estaduais ou municipais não apenas é suicida como cínica. Estes cidadãos conspiram contra o país que não sobreviverá enterrando 1.500 mortos por dia! Escolher entre vida e economia é um falso dilema! Uma armadilha, na verdade.

Uma vida é importante. É isso que faz com que 270 mil também o sejam! A ética de uma nação está no senso de que a coletividade representa cada um que nela vive. Com direitos e deveres. A pandemia expôs as vísceras de um país que se divide em vários! É isso que nos mata!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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