Como publicitário há mais de 30 anos não poderia me furtar de expressar indignação e espanto com a chamada ''campanha em favor do desarmamento''. Perfeita sobre todos os aspectos se houvesse sido criada para maximizar as vendas da indústria de armamentos.

A partir desta desastrosa campanha, a arma passa a ser ''objeto de desejo'' das crianças e adultos. Ela, um 38 ou 45 sei lá, aparece niquelada, maravilhosa e resplandecente em milhares de outdoors espalhados pelo Estado, com um sugestivo R$ 100 em destaque. Uma ''obra-prima'' da criação publicitária para sugerir e despertar o desejo da compra.

Apesar de ser contra a posse deste objeto, confesso que quando vi este cartaz fui tomado, por um momento, pelo pensamento de como seria bom ter uma maravilha daquelas para me defender da violência que se tornou parte do cotidiano e só por 100 reais! Me imaginei com uma delas na mão e me senti forte, corajoso, com o poder de vida e morte, uma sensação nunca antes experimentada. Pensei até em passar numa destas casas de armas para saber o preço e se era tão barato quanto a propaganda sugeria. Mas graças a Deus voltei à realidade e lembrei daquela máxima: ''A comunicação malfeita é uma faca de dois gumes''.

Ninguém em sã consciência, principalmente um profissional da comunicação, pode negar o valor e louvar a importância de uma campanha de desarmamento, porém executada com competência, com uma mensagem que estimule e conscientize as pessoas a não ter armas ou a se livrar das que têm. Tragicamente esta campanha tem efeito contrário. A imagem é mais forte que o texto.

Já estava sarando da minha indignação quando, para minha surpresa, vi uma enorme foto em destaque na capa da Folha: crianças numa escola pública, sorrindo, felizes da vida, exibindo aquele objeto de desejo, niquelado, maravilhoso, resplandecente. Não entendi nada, ou entendi tudo - para acabar com as armas estavam distribuindo um fac-símile das ditas cujas nas escolas? Um modelo para cada criança brincar de matar o amiguinho? Ou quem sabe, de tão real, a cópia possa ser utilizada pelos ''sem-arma'' para praticar assaltos?

A primeira vez a gente nunca esquece. Alguem colocou, de forma irremediável, este desejo de posse futura na mão e cabeça destas crianças. Parabéns gênio! As campanhas acabam, o desejo fica. Os ''donos'' do negócio de armas devem estar com o sorriso nas orelhas. Como eles não tinham pensado ainda nesta brilhante estratégia de marketing para burlar a lei e levar o seu produto diretamente até as crianças, nos bancos escolares? Não precisou - nunca se divulgou tão bem como nesta campanha e com dinheiro público, este ''utensílio de matar''.

A propaganda, quando mal-executada, pode se tornar muito perigosa, com efeitos desastrosos no subconsciente do público impactado. É responsabilidade dos governantes e, principalmente, dos responsáveis pela aprovação de campanhas como esta, avaliarem corretamente o conteúdo, ou se cercarem de profissionais da área, para evitar que equívocos lamentáveis como este, infelizmente irreparáveis, voltem a acontecer.

RENATO BASTOS JÚNIOR é publicitário em Londrina