O procurador favorito dos lavajatinos, Deltan Dalagnol, ao ser advertido por um seu colega no já famoso grupo de aplicativo celular (Telegram) acerca dos limites e das balizas da própria atuação, respondeu que há muito ‘não tinha vergonha na cara’...

Eppur si muove...

Evidente que a propalada criptografia de ponta a ponta (promessa de todo aplicativo celular) gera uma falsa sensação de segurança que impele, no modo reservado e seguro dos aplicativos, o melhor e pior de nós outros. Mas que, ao desdenhar a séria e abalizada objurgação de um seu colega, acerca das reveladas tratativas dos procuradores que atuavam na operação lava jato com governos estrangeiros (suíços e estadunidense principalmente), fora dos canais oficiais (eufemismo de lesão ao devido processo), o chefe dos procuradores oferta a fotografia definitiva do que foi a operação lava jato, disso não temos qualquer dúvida...

Não é possível, em um estado de decência (e olha que não falei de direito), não nos indignarmos todos com o destino do país nas mãos dessa súcia de malandrins...

Deveras, quando o estado reconhece seu procurador e investe fulano nesta condição, ele (estado) assina, tanto quanto, um contrato tácito com o funcionário que está a distinguir expressamente...

Remunera-o (muitíssimo bem) e, em troca, espera seja cumprido o dever funcional, mas aguarda que este cumprimento siga a rota de grandeza da investidura delegada – eis o contrato tácito...

Há que haver compatibilidade de caráter entre a investidura na função e o investido, suposto que em nome do estado não se poderia cometer crimes nem se revelar indigno da função...

A questão que aflora é singela, mas seu enfrentamento demanda coragem: poderia alguém sem ‘vergonha na cara’ agir em nome do estado sem ferir o preceito ético mínimo deste estado?

Vamos por partes (em homenagem a Jack): o que significa a expressão ‘vergonha na cara’? Segundo o dicionário ‘on line’, ter dignidade, mostrar respeito...

A ausência de ‘vergonha na cara’ equivaleria, pois, a indignidade do desavergonhado. Esta (a indignidade), de sua vez, demarca a ausência de caráter daquele que não é digno de algo ou de alguma coisa – in casu, da função (procurador) para a qual se revela imprescindível o valor do investido, de todo incompatível conceitualmente com a propalada ausência de ‘vergonha na cara’ do procurador...

Então fica assim: alguém em quem o estado confiou e reconheceu seu procurador (olha a grandeza do reconhecimento...), assume não ter o requisito moral essencial para a investidura...

É isso mesmo?

Antes que terraplanistas imbecilizados (com o perdão do pleonasmo) objurguem com o nonsense da situação (a conversa era em grupo restrito de aplicativo celular e seus interlocutores acreditavam na propalada proteção criptográfica de ponta a ponta), lançando uma cortina de fumaça idílica sobre o núcleo da fala do procurador, lembro que Deltan assumiu sua indignidade em resposta a uma advertência (correta) de um seu colega, que levantou a preocupação com o atrevimento do procurador em tratar com estados estrangeiros diretamente e fora dos canais oficiais...

O que mais precisa o estado para agir? Da delação premiada do Marcola?

Não é mais suportável estar brasileiro nesta altura de nossa viagem terrena. Há tanta estupidez envolvida na situação que não se revela possível seguir fingindo que o mundo matou a ausência de dignidade no peito.

Procurador, que vergonha. Monumental. Monstruosa.

Nosso tecido social está doente, é fato. Mas nem o carcinoma mais maligno obnubila o desenho que temos aqui: em conversa tirada em grupo de aplicativo celular, o então procurador chefe da força tarefa favorita dos marinho, dos civita, dos mesquitas, dos frias, assume ser indigno de agir nas balizas estabelecidas no contrato social...

Pior é constatar que a indignidade se revela em nome e em atuação pelo estado brasileiro...

Outro tanto, quando a PIG explorou os nomes pintados nos pedalinhos que navegavam a represa daquele sítio famoso do interior paulista, houve uma grita geral, capitaneada pela elite econômica brasileira, ávida por seguir explorando os que lhe são economicamente inferiores.

A grita era absolutamente desproporcional ao fato, mas ainda assim se levantou – porque a questão moral demarcaria um ganho político, haja vista o avô das crianças ser quem Lula é...

Hoje, ao ouvir o seu pequeno espadachim dizer que não era digno do cargo de procurador que então exercia (como de resto segue exercendo até hoje), a elite não esboça qualquer reação. Entendo a ausência de indignação. É que só se indigna quem é digno e sabe reconhecer e avaliar caráter...

Tristes trópicos. Saudade pai, você me ensinou a ter muita vergonha na cara e lhe agradeço por isso!

João dos Santos Gomes Filho, advogado