Difícil tem sido organizar um contraponto às forças bolsonaristas que ora impulsionam o país. É no mínimo inquietante a forma crítica de seu discurso ante a realidade. Desconfiança com relação à imprensa, ataque aos “poderosos”, ao “sistema” e outras tantas abstrações são seus motes frequentes. Não estivéssemos em 2021, se diriam da autoria de um egresso dos centros de ciências humanas das universidades brasileiras.

De todo modo, escancaram, goste-se ou não, o caráter excludente da atual democracia liberal em seus quase 40 anos de existência. Uma institucionalidade marcada por graves problemas, como leis que punem e controlam mais que regulam ou apontam caminhos. A isso se associam funcionários públicos que encarnam essa normatividade punitiva como uma espécie de messianismo da moralidade pública. A Lava-Jato levou às últimas consequências essa identificação especular com o Messias e deu no que deu.

Anos de governo do Partido dos Trabalhadores não foram suficientes para mudar esse estado de coisas. Primeiro, foi lá que se fortaleceu sobremaneira o Ministério Público. Em um país de bacharéis, pretensos demiurgos da sociedade, não era difícil imaginar o surgimento de um Dallagnol.

Além disso, em seu reconhecido esforço no combate às desigualdades, o Partido dos Trabalhadores o fez dentro dos parâmetros da institucionalidade brasileira. Tentou integrar os estratos marginalizados da população ao modelo de captura do Estado, velho conhecido das elites. Algo que funcionou enquanto as condições econômicas o permitiram. Tão logo os recursos escassearam, ficou evidente que o modelo só funciona quando serve a poucos. A matemática é simples.

Para a elite, tanto privada como do funcionalismo, o bolsonarismo é isso, uma revanche contra a tentativa de se dividir mais o butim que pra ela sempre foi o país. Por isso, apesar de escancarar as falhas da democracia (o que explica parte da adesão dos estratos médios e baixos da população a ele), esse movimento encampa um projeto que só tende a exacerbá-las. Diante do que identificam como “baderna”, que eles próprios ajudam a criar, apontam-se e aos militares como solução.

A crítica bolsonarista não comporta, portanto, uma saída construtiva. É um mal, pois idealiza o passado mítico em que o ímpeto de um chefe que se impõe pela força dita o rumo da sociedade. Esse mito é o máximo que se tem como plano de governo.

Quem, portanto, não compactua nem com a ordem elitista da democracia liberal nem com o projeto arcaico do bolsonarismo se vê constrangido e obrigado a defender liberdades básicas e parâmetros mínimos de interação entre seres humanos.

Entre a oposição, não há projeto político para o futuro, apenas uma trincheira que tenta assegurar os resquícios de uma ordem civilizatória que o atual clã no poder manda às favas. Espetáculo bizarro, cômico se não fosse trágico, que escancara a areia de que é feito o castelo da modernidade ocidental.

Esse é o motivo pelo qual, acredito eu, nenhuma candidatura de centro empolgará as próximas eleições. As pautas insossas, quando não cínicas, dos que hoje a defendem não encontrarão eco em uma sociedade já chacoalhada pela crítica bolsonarista à excludente ordem institucional.

Enquanto alguns se entrincheiram nesta ordem fraturada na esperança de que ela se regenere, o bolsonarismo se compraz a implodindo. No lugar, constrói uma sociedade imbecilizada pelas promessas milagrosas de aplicações na B3, abertura de “startups” e um estilo de vida saudável em bicicletas ao preço de carros populares. Para o “resto” da sociedade, o desemprego cresce, o poder de compra dos ainda empregados diminui e as expectativas de trabalho se resumem ao que tiver pro dia. Um projeto de país do alcance e brilhantismo de um livro de auto-ajuda.

Daniel Guerrini, professor da UTFPR, Londrina

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