Imagem ilustrativa da imagem ESPAÇO ABERTO - A criminalização política dos movimentos sociais
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Em 2016, a então presidenta Dilma Roussef obstou a tentativa de se criminalizar o exercício da política ao vetar a redação do art. 2º da lei 13.26/2016, que estatuía tal figura legal na identificação da hipótese de "motivação política" para incidir na prática do terrorismo. Fez, ainda, outros sete vetos à referida lei. Estes vetos (oito) motivaram um deputado federal (Lasier Martins, do PDT) fazer uma proposta paralela de "endurecimento da lei antiterrorismo", em julho de 2016, resultando no Projeto de Lei (PL) 272/2016.

O tempo marchou e, em 2018, em plena efervescência de sua campanha eleitoral (que perdura até hoje), o messias declarou seu apoio à ideia de recrudescimento da lei antiterror, afirmando em palanque que o "MST (Movimento dos Sem Terra) e o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) deveriam ser considerados terroristas". Messias ofertava a cereja para cobrir um bolo que ainda não estava pronto...

Com a cereja, mas sem o bolo, a irracionalidade distópica germinada pelas notícias mentirosas (fake news), capturou a vontade de muita gente, encerrando nas matérias de interesse do mercado (jornalismo neoliberal não é jornalismo, é negócio) a nossa capacidade de identificar e se indignar com o inimigo...


Compramos, no Brasil pós-golpe de 2016, uma narrativa anestesiante, cujo marco inicial é uma capa da falecida revista Veja (2005), onde o desenho de uma estrela vermelha era tatuado com a parte da poesia que metaforiza: "Era vidro e se quebrou"...

Assim, anestesiados e famintos, cultivamos nossa ânsia, meio que incrédulos, assistindo a escalada política da extrema direita no Brasil, sob patrocínio do juiz ator político que o deputado federal Glauber Braga, do PSOL, chama de "juiz ladrão".

O galope ganha fôlego e a recepção do viés político, enquanto hipótese motivacional apta a caracterização do ato de terrorismo, torna a bater nossa porta. Clarice, cujo amor sempre guardarei, já poetizava: "Sentimento ilhado, morto e amordaçado, volta a incomodar".

Ainda que o mundo sulista insista em girar em torno do próprio umbigo, ressuscitando em cada caudilho que lhes acene desejos e desadormeça delírios fascistas, os seus infindáveis white people problems, não se pode ver nos movimentos sociais qualquer viés terrorista...

Bebê, você pode até ser um liberal, mas não deve ser um ignorante sem conhecimento histórico. Tanto quanto não precisa ser, além de pró-mercado, contra a vida. Tampouco usar calça de camuflagem (tática), uma pistola de grife (glock) e acreditar que está em guerra – a propósito e sobre estar em guerra: "Vocês que fazem parte dessa massa" conseguiram, nesses anos de ignomínia, ao menos identificar o inimigo?

Ei, boi; o verdadeiro inimigo é a sua ignorância. E o que seria ignorar? Segundo o Aurélio (digital), ignorar parece com "desamparar, abandonar, desconhecer, desonrar, desluzir, excluir, humilhar, marginalizar, preterir..."

O desconhecimento oprime mais que qualquer outro (des)valor, suposto que impede a luz da sabença de luz ser, trazendo a reboque do breu que alimenta a ignorância, o medo da sombra da desandança. Ignorar é não colar na pessoa a grandeza do ser. Estamos, mas já não somos, suposto que estar impõe uma condição material, ao passo que ser reclama a integração do ego com o superego, desaguando essa soma no que identificamos enquanto conhecimento.

Conhecer, a seu tempo, é (também e principalmente) se colocar no lugar do outro, sempre e a destempo das circunstâncias que permeiam o ontem e o amanhã não se pronunciem hoje – que empatia é sempre para agora... Já não há um estado de bem-estar social. A guerra fria pode tê-lo ferido, mas quem o sepultou foi o neoliberalismo, com o auxílio prestimoso de alguns generais de estimação, loucos por um golpe, safados por ordenar uma sevícia torturante – havendo cavernícolas que os apologize...

Pensar que essa gente que cultiva mitos se rendeu a uma narrativa, sem sequer se dar ao trabalho de questionar seus elementos.

Há séculos de opressão nessa opção, suposto que ela separa empatia de imbecilização... Já não importa o que foi feito da luz, tampouco para onde vamos quando a noite chegar. O que importa é resgatar a realidade. Restabelecer o primado da verdade, ainda que sob os efeitos colaterais que o chamado à ignorância nos siga custando dia após dia...

Então, pense grei: você autoriza o que quando autoriza um golpe de estado? É da desconstrução das conquistas civilizatórias que estamos tratando e não de uma farda caminhando ao vento...

Por falar em estultices: não se faz apologia da intervenção militar ao som de Pink Floyd e Geraldo Vandré – caminhando e cantando é um hino contra a ditadura e não uma música descolada para você ouvir enquanto caminha na distopia que sua ignorância concebeu. Perceba, oh rês ignata, o quão imbecilizante é esse vosso movimento...

Como já cantou Ney Matogrosso, "entre os sacis e as fadas’" temos o dever histórico e moral de ficar com ambos e, assim, manter o direito conquistado e retratado nos marcos civilizatórios – que ele veio em sangue derramado por Clarisse e Maria, por João e José, para que a gente possa viver na plenitude a dor e a delícia de ser o que quiser.

Tristes e almiscarados trópicos, onde o berrante tem dado o tom.

João dos Santos Gomes Filho é advogado em Londrina