Elizabeth 2ª fechou, com sua morte, uma página significativa da história do Ocidente, o longo século XX. Sua representatividade histórica advém da sua longevidade pessoal e de seu reinado, em que testemunhou a Segunda Guerra Mundial, a descolonização do Império Britânico, a Guerra Fria, o ruir da Cortina de Ferro, a corrida espacial, à ascensão chinesa, assistiu como espectadora privilegiada a todos os acontecimentos importantes por oitenta anos.

Imagem ilustrativa da imagem Elizabeth 2ª, os britânicos, o Brasil e o Norte do Paraná
| Foto: Jonathan Brady / POOL / AFP

Se hoje o Império Britânico não é mais uma força política com um território onde o sol nunca se ocultava, as bases econômicas e culturais que ele lançou são ainda perceptíveis e muito significativas no mundo contemporâneo. A influência britânica sempre foi muito forte no Brasil, produzindo alguns dos mais importantes acontecimentos em nossa história.

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Os britânicos apoiaram o Príncipe D. João a enfrentar a invasão francesa de Portugal, patrocinando sua fuga antes que Lisboa caísse. A Corte no Brasil criou as condições materiais, políticas e simbólicas para que o país pudesse, há exatos duzentos anos, tornar-se independente.

Os investimentos britânicos sempre foram significativos no país. Obras inovadoras como estaleiros navais, companhias de navegação fluviais e de cabotagem, ferrovias, o soerguimento do Banco do Brasil pelo Barão de Mauá, iluminação à gás, energia elétrica, bondes, etc. O sistema de governo imperial foi uma tentativa clara de cópia daquele que se verificava em Londres, com a sua versão de conservadores e liberais.

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O Norte do Paraná foi fruto da ação financeira britânica, nas décadas de 1920 e 1930, com a Companhia de Terras Norte do Paraná. Considerado um dos maiores empreendimentos imobiliários do mundo, a CTNP conduziu a abertura da região à colonização e ocupação produtiva, processo de derrubada da floresta que seria hoje contestado pela opinião pública no Reino Unido, dado os valores ambientais e a preocupação ecológica que nós desenvolvemos.

O projeto de colonização e venda de terras financiaria a construção da ferrovia que, partindo de Ourinhos, no Estado de São Paulo, atingiria Guaíra, na fronteira com o Paraguai, até Assunção, procedendo com as ferrovias da Argentina a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico, tendo os portos de Santos, no Brasil, e Antofagasta, no Chile, em cada extremidade.

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A importância desse projeto foi reconhecida pela visita realizada pelos então duque de Kent e o príncipe de Gales, futuro Rei Eduardo8º, tios de Elizabeth 2ª. A Guerra Mundial, iniciada em 1939, e que a então princesa vivenciou como mecânica de automóveis e motorista de ambulância, colocou fim ao projeto de integração ferroviária da América do Sul.

A mais importante influência cultural britânica no Brasil, além do seu idioma, foi o futebol. O esporte bretão foi no Brasil, a exemplo da Europa, transformado em um espetáculo que traz entretenimento aos seus torcedores, sonhos de transformação da vida e ascensão aos seus atletas profissionais, diversão e congraçamento social aos seus praticantes amadores.

A morte de Elizabeth 2ª nos permite pensar o longo Século 20, do qual ela é um dos seus ícones mais fortes, com seus setenta anos de reinado. Se ela pessoalmente não influiu nos acontecimentos mundiais que vivenciou, sua presença à frente do Reino Unido como um elemento de coesão daquele país e comunidade, permitiu que os britânicos adentrassem ao século 21 e que Londres se tornasse um símbolo da convivência multicultural.

Que venha agora um novo tempo, sem a presença da rainha, em que o mundo e o Brasil possam interagir de forma positiva e construtiva neste início de terceiro século de independência de nosso país.

Roberto Bondarik, professor titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Cornélio Procópio

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