EDITORIAL
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 16 de outubro de 2001
''Peço aos Estados Unidos que não nos matem'', foi o apelo de um sobrevivente do povoado de Karam, no Afeganistão, depois de um bombardeio aéreo ocorrido na noite de quarta-feira passada e que teria matado 200 de seus habitantes, praticamente toda a população.
Faz lembrar o documentário ''Corações e Mentes'', que, em certo trecho, mostra a cena real de um vietcong cuja casa havia sido bombardeada e a filhinha morta, e ele indaga em desespero e aos prantos: ''Presidente Nixon, que mal eu fiz contra o senhor!?''
Não foram os moradores do vilarejo de Karam que planejaram o lançamento dos aviões camicases sobre as torres gêmeas de Nova York, mas eles pagaram por isso. A promessa do presidente George Bush foi de que não seriam atacadas populações civis, mas o número dos que já foram mortos é grande. Só nesse pequeno lugar foram lançadas mais de 20 bombas, com a destruição de cabanas e currais.
O Pentágono apenas justificou que uma das bombas errou o alvo, e um oficial do porta-aviões de onde partem as aeronaves que estão bombardeando o Afeganistão declarou que cada bomba poderia causar ''um significativo impacto emocional'' em qualquer pessoa situada numa milha quadrada ao redor de onde esse artefato explodir.
O que ocorreu foi mais que emocional, porque 160 corpos já foram retirados dos escombros. Isso caracteriza morticínio e guerra sem medidas, se é que se pode mensurar até onde um ataque armado possa ser aceito. Narrativa da agência de notícias Reuters diz que um velho, respeitosamente, tirou seu turbante (a cobertura da cabeça) e clamou ante os jornalistas: ''Somos pobres, não nos atinjam''.
Enquanto isso acontece, o Fundo das Nações para a Infância (Unicef) informa que 100 mil crianças afegãs poderão morrer neste inverno se nas próximas seis semanas não chegar quantidade suficiente de alimentos. O problema antecede a guerra, mas o conflito armado dificulta essa operação.
Um menino nascido hoje no Afeganistão tem 25 vezes mais possibilidade de morrer antes da idade de 5 anos do que um americano, um francês ou um saudita - revela a Unicef. Mas não são apenas essas crianças: 6 milhões de afegãos necessitam de ajuda urgente, e os bombardeios estão tornando mais difícil o trabalho de socorro dessa instituição humanitária.
Alguns países aliados dos EUA - como Arábia Saudita, Paquistão e Indonésia - já estão criticando os norte-americanos pela sua impiedosa campanha militar contra o Afeganistão - o que, nesse ritmo, em breve superará o número de mortos do World Trade Center e do Pentágono e também os prejuízos materiais. Para os Estados Unidos será fácil reeguer as torres, mas difícil para os afegãos sem recursos restaurar suas perdas.
Enquanto isso, o presidente Bush promete às autoridades militares dar todas as ferramentas necessárias para ''vencer a guerra contra o terrorismo''. Suas palavras, segunda-feira, soaram com o poder de uma bomba. Ele disse: ''Vocês terão tudo o que precisarem, todos os recursos, todas as armas, todos os meios necessários para obter uma vitória total para os Estados Unidos, seus aliados e seus amigos, e para a causa da liberdade''.