Editorial
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 20 de abril de 2000
O legado de Tiradentes
Felizmente, o furor dos que querem revisar a História, em face da festa dos 500 Anos do Descobrimento, não atingiu a figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, cuja morte é rememorada hoje. Seria também mais que abusivo, um verdadeiro crime, tentar colocar qualquer restrição a esta figura maiúscula de nossa História, um homem que ousou querer um Brasil independente e que teve também a coragem de assumir a responsabilidade por aquilo que, à época, era um crime, pagando sozinho com a vida por este sonho. O calendário deste ano, que faz coincidir a Sexta-Feira da Paixão, quando se rememora a morte de Jesus na Cruz, com o enforcamento de Tiradentes, e que poderia obscurecer a lembrança do mártir da Independência, não diminui a intensidade da gratidão que o Brasil deve ao alferes que assumiu a Inconfidência e pretendeu libertar a então colônia portuguesa. Independente do feriado religioso, há condições ainda mais às vésperas da controvertida festa do 5º Centenário da descoberta para se reverenciar a memória daquele que teve a ousadia de pretender mudar a História.
O Brasil que comemora 500 anos amanhã é quase aquele país que Tiradentes idealizou em seu frustrado movimento. O que o Mártir queria era um país livre, com um povo forte e unido. Vale, inclusive, rememorar que entre os planos dos Inconfidentes estava, desde logo, determinar o fim da escravidão, o que deixa mais evidente ainda a visão humanista do Tiradentes e dos que participaram com ele do movimento. O projeto acalentado, talvez até de modo um tanto sonhador pelos Inconfidentes, previa a criação de um país livre e que poderia aproveitar o imenso potencial em benefício do seu próprio povo. Os contatos intentados com a nova República que surgiu ao Norte, os Estados Unidos, mostram também que os Inconfidentes tinham os pés no chão, e sabiam da importância de um reconhecimento internacional para garantir a nova nação nos seus primeiros tempos.
O sonho dos Inconfidentes se frustrou devido a uma traição. Possivelmente, mesmo sem isto, talvez não tivesse atingido os objetivos. De qualquer modo, é interessante rememorar os fatos e perceber que naquele tempo, como em todas as épocas, há homens que trocam a vida do semelhante, a liberdade de um povo, por favores um benefícios pessoais. Joaquim Silvério dos Reis, o delator da Inconfidência, usou de sua dissídia para resolver problemas pessoais, igual a tantos outros que, pelos tempos afora, e não só no Brasil, lançam mão de qualquer meio para prejudicar os semelhantes. Curiosamente, assim como tem acontecido com muitos corruptos em todos os tempos, Silvério dos Reis usufruiu dos benefícios obtidos com sua traição, tendo apenas de mudar-se para o Maranhão a fim de evitar possíveis reações de alguns patriotas brasileiros. Muito tempo se passou até que ao menos a História fizesse justiça aos Inconfidentes.
O Brasil que rememora hoje os 208 anos do enforcamento do Tiradentes e que amanhã festeja os 500 anos da descoberta, mudou muito ao longo dos séculos. Atingiu a independência, embora de modo diferente do que foi sonhado pelos Inconfidentes. E tem passado por imensos obstáculos ao longo deste período. A independência não resolveu problemas. Em certos casos, trouxe novas dificuldades. O desafio de construir um país livre, forte e justo persiste. Sobreleva observar que na rememoração aos mártires e a todos quantos lutaram pela liberdade, pela independência e pela Justiça, há a base maior do exemplo que é o principal legado dos verdadeiros heróis. Rememorar a morte de Joaquim José da Silva Xaxier e enaltecer sua luta são fatores vitais para uma nação que ainda busca sua afirmação como potência.