EDITORIAL - Reflexão diária e a consciência negra
PUBLICAÇÃO
sábado, 20 de novembro de 2021
Folha de Londrina
Aprovada em 2003, a Lei 10.639 tornou o 20 de novembro Dia Nacional da Consciência Negra. A data faz alusão ao dia do assassinato de Zumbi dos Palmares, líder de um quilombo de Alagoas que virou ícone da luta pela liberdade do povo negro, em 1695, numa época em que a economia e as relações comerciais no Brasil Colônia eram forjadas à base de um regime escravocrata. A reflexão em torno das consequências sociais provocadas pela exploração da força de trabalho da raça negra há séculos deve ser feita diariamente em um país cuja maioria entre os pobres, miseráveis, analfabetos e vítimas de homicídio é preta, mas a data serve para jogar à luz o legado de uma herança que carregaremos ainda por muitas e muitas gerações.

A lei vigente desde 2003 estabelece também a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras no calendário escolar, numa tentativa de diminuir o abismo e conscientizar as crianças e jovens de que o preconceito racial - e tudo o que dele deriva, injúria, racismo, desigualdade social - é um atestado de que fracassamos como sociedade.
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Nesta semana, ganhou repercussão nacional o julgamento do clube de futebol catarinense Brusque pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por conta do crime de injúria racial cometido por um conselheiro da agremiação contra o jogador Celsinho, do Londrina, durante partida válida pela Série B do Campeonato Brasileiro no mês de agosto. O cidadão (se é que do ponto de vista civilizatório é possível defini-lo assim) havia disparado ofensas ao atleta, que estava à beira do campo, comparando seu cabelo afro a uma "cachopa de abelha". Na ocasião, o clube foi denunciado pela procuradoria do tribunal e a 5ª Comissão Disciplinar acatou o crime de injúria racial flagrantemente constatado, punindo o clube com a perda de 3 pontos na tabela de classificação.
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Na quinta-feira (18), em novo julgamento, desta vez realizado pelo pleno do STJD, os auditores reverteram a decisão, determinando, por 5 votos a 2, a restituição dos pontos sob o argumento de que a injúria racial não é crime passível de punição tão severa. Multaram o acusado em R$ 30 mil e suspensão de 360 dias, enquanto ao Brusque foram imputadas a perda de mando de um jogo e multa de R$ 60 mil. E estamos conversados. Um dos auditores chegou a dizer que a punição inicial, se mantida, abriria precedentes e poderia "prejudicar outros clubes." Um acinte.
Os casos de racismo no futebol são tão antigos quanto o próprio jogo. E infelizmente apenas refletem o comportamento da sociedade. Também nesta semana, uma aluna de um colégio cívico-militar de Curitiba foi ameaçada de morte por colegas por ser preta. A garota foi fazer o intervalo e quando retornou à sala de aula haviam escrito em seu caderno: "onde já se viu ter preto nesse colégio". A mãe, em estado de choque, registrou boletim de ocorrência e o colégio promoveu ações educativas para mostrar que racismo é crime e que o preconceito racial deve ser condenado.
Há muitos e muitos casos, relatados e ignorados, diariamente - basta lembrar que está fazendo um ano que um homem negro foi morto por seguranças de um hipermercado em Porto Alegre após ser rendido por protestar contra o atendimento.
Não há nação que possa almejar o pleno desenvolvimento socioeconômico sem que usufrua dos valores de sua diversidade étnica, assim como não há política pública que dê conta de reverter os danos provocados pela desigualdade racial que marcou a história do País. Tampouco não avançaremos como civilização se cada um de nós não tiver a consciência de que a raça humana é uma só. O fato de termos que dedicar um dia específico para essa reflexão diz muito do que ainda não conseguimos ser.
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