O minúsculo novo coronavírus, um micro-organismo que se comparado ao tamanho de uma célula seria como uma bola em relação a um estádio, ganhou a alcunha de inimigo invisível. Em pouco mais de um ano, já são mais de 3 milhões de mortos em todo o mundo. No entanto, quando se fala em invisibilidade, há de se levar em conta uma outra faceta da doença: o aumento da miséria.

Com o fim do pagamento do auxílio emergencial em dezembro, o ano no Brasil começou com uma grande elevação na taxa de pobreza extrema. O total de brasileiros miseráveis hoje é maior do que no começo da década passada. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad Contínua, em janeiro, 12,8% da população passou a viver com menos de R$ 246 ao mês, o que significa R$ 8,20 por dia.

Reportagem especial da FOLHA deste fim de semana mostrou o drama da miséria que afeta as comunidades mais carentes de Londrina. Em lugares como a Vila Feliz (zona sul), ou no Morro do Macaco (zona norte), as famílias sobrevivem graças a doações de voluntários. O medo da Covid-19 fez com que muitas mulheres, chefes de família, perdessem o emprego, na maioria das vezes como domésticas.

A retomada do auxílio emergencial, ainda que em valores mais baixos do que estavam sendo pagos no ano passado, traz um pouco de alento para os mais necessitados. Quem vive no limite se acostumou a fazer praticamente mágica com o pouco que recebe. Porém, é extremamente importante que os planos de retomada da economia contemplem o combate à desigualdade social.

De acordo com coluna publicada nesta edição da FOLHA pelo economista Marcos Rambalducci, o que se vê é que a atividade econômica retornou aos níveis pré-pandemia, mas o número de trabalhadores empregados se manteve em patamar 8% inferior. A adoção de novas tecnologias e a eliminação de profissões, principalmente as que requerem menos capacitação, prometem revolucionar o mercado de trabalho. Para os excluídos da era digital, o cenário traz ainda mais incertezas.

O problema da desigualdade nada mais é que o reflexo de mais de um século de omissão em políticas públicas para buscar integrar realmente à sociedade os descendentes de escravos, libertos sem nenhum tipo de amparo. É uma chaga ao menos 12 vezes maior que a realidade dos Estados Unidos, por exemplo. Enquanto no Brasil aportaram 4,8 milhões de escravos entre os séculos 16 e 19, nos EUA o número total no mesmo período é estimado em 388 mil.

O Brasil nunca será o país do futuro se não parar de tentar jogar para baixo do tapete, ou neste caso, para as periferias, a extensa lista de mazelas que começam em um prato vazio e passam por todos os tipos de vulnerabilidade como falta de saneamento básico, moradia precária, desemprego e violência. Agora, com a pandemia, até mesmo a educação, o caminho mais sólido para a fuga da miséria, se torna menos tangível, o que reforça as desigualdades.

Mesmo diante de tantas adversidades, fazer frente à miséria é um dever do Estado e de cada um de nós.

É um prazer ter você como nosso leitor!