Editorial - Compromissos para o Centenário
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terça-feira, 04 de janeiro de 2000
Compromissos para o Centenário
Na Cerimônia de Acendimento da Chama do Conhecimento Brasileiro, que marcou a abertura das comemorações dos 500 anos do Descobrimento, o presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu o fim da impunidade e a adoção de iniciativas contra a miséria e de expansão da educação no País. Na solenidade, realizada no último dia de 1999, Fernando Henrique fez um balanço otimista da história do Brasil, homenageando as três raças que formaram a civilização brasileira. Lembrou também os imigrantes de origens diversas, que, segundo ele, trouxeram valores, técnicas e fé à América, destacando que o Brasil é a maior nação multirracial e multicultural do mundo. O presidente recordou que em 1900 os brasileiros eram 17 milhões e viviam em sua maioria no campo, com apenas 16% de alfabetizados. Atualmente, assinalou, há 160 milhões de brasileiros, dos quais 80% moram em cidades e 15% são analfabetos.
A festa dos 500 anos do Descobrimento se prolongará pelo ano todo. Há algum tempo já se realizam comemorações e promoções, praticamente todas com a marca de um propósito fundamental: o de se resgatar a cidadania, através da educação, e o de se fazer deste momento um marco definitivo para o salto há tanto tempo esperado e sempre protelado do País para se tornar uma potência no mundo. Os 500 anos de História precisam representar mais do que uma festa com muito foguetório e discursos retumbantes, típicos da alma latina, constituindo um compromisso novo do Brasil de hoje com seus próprios habitantes e com o seu futuro.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, um sociólogo, tem alguns motivos para fazer um balanço otimista da História. Afinal, o Brasil viveu estes 500 anos com um espírito de paz, as poucas guerras travadas no período não tiveram o cunho colonialista ou dominador. A conquista das fronteiras atuais, bem diferentes daquelas definidas pelo Tratado das Tordesilhas, não foi um tipo de ação de rapina, apesar da violência praticada contra os habitantes originais da terra, os indígenas. E as lutas ocorridas, principalmente nos anos do Império, não tiveram finalidade de expansão territorial. Até mesmo após a participação na 2ª Guerra Mundial, quando lhe foi oferecido território europeu como ressarcimento, o Brasil apenas pretendeu e aceitou o local em que repousavam os pracinhas mortos na Europa, o cemitério de Pistóia, na Itália.
Todavia, se não apresentou, apesar mesmo de todos os incidentes internos, uma faceta militarista e conquistadora, é certo que nestes 500 anos o Brasil não foi a mãe gentil de muitos de seus próprios filhos. É certo, como relembrou o presidente, que a realidade nacional hoje é melhor do que a vivida há 100 anos. Isto porém não significa muito diante da exploração dos índios, dos escravos africanos, do trabalho infantil e diante, enfim, da injusta distribuição de renda que sempre fez parte da História do País.
A miséria mudou de endereço, como lembrou o presidente: hoje há muito mais gente nas cidades que nos campos. Também há muito mais favelas, é grande o número dos que vivem nas ruas, a dívida social do Brasil para com os brasileiros é ainda muito grande.
Esta celebração dos 500 anos deve ter, fundamentalmente, o propósito de mudar de modo concreto o panorama social. Apesar dos importantes avanços percebidos nos anos recentes, ainda é imenso o número dos que vivem na faixa da miséria. Faltam condições reais para que a população participe deste grande banquete que se antecipa na festa do quinto centenário. Há que se estabelecer políticas capazes de assegurar ao povo a participação na riqueza nacional pelo trabalho, pela educação, pelas oportunidades concretas que este País pode e deve oferecer aos seus filhos.
