Editorial Ameaça à democracia Há um ditado popular que ensina que ‘quem não deve, não teme’. Em sua simplicidade, parece bastante adequado ao momento que vive a Assembléia Legislativa do Paraná na apuração de fatos que de algum modo comprometem entidades ou autoridades. Persiste a pressão governista contra a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o narcotráfico no Estado (e suas ramificações em organismos oficiais), e, de outro lado, a mobilização da oposição, que busca reunir todas as condições que levem à aprovação da proposta. A novidade é que desta vez os oposicionistas poderão ter sucesso na empreitada. As mais recentes informações mostram que a rebeldia de alguns deputados da bancada que apóia o governo na Assembléia Legislativa pode acabar superando a pressão, permitindo a obtenção das assinaturas necessárias. O líder do governo no Legislativo, Valdir Rossoni (PTB), já chegou inclusive a antecipar que a situação fugiu ao controle, o que significa que possivelmente os que articulam a convocação para a CPI estão realmente próximos de seu objetivo. Alguns deputados da base de apoio do Palácio Iguaçu devem passar o final de semana tentando convencer o governo de que a medida é inevitável. A questão que se pode colocar nesse momento seria em relação à fidelidade dos deputados às diretrizes do partido. Mas aqui avulta a percepção de que o representante eleito tem um compromisso maior com o povo do que com o partido que lhe assegura a legenda. Mais ainda: também os partidos políticos (que afinal constituem segmentos representativos da opinião pública) deveriam ter compromisso maior com o eleitor, diante principalmente de assuntos tão candentes quanto os da corrupção no serviço público. O reclamo popular exigindo investigações por parte daqueles que têm, entre outras, a função de fiscalizar os Executivos (no caso, os Legislativos) é legítimo. E qualquer tipo de pressão destinada a obstar esta forma de ação representa uma tentativa de fugir à própria responsabilidade. Imperioso é insistir ainda que no caso da Assembléia Legislativa do Paraná, como em tantos outros que estão sendo revelados por toda parte no Brasil, o uso de pressão para dificultar o trabalho investigativo provoca, até naturalmente, revide e críticas aos que agem desta forma. Governistas temem que a CPI, em ano eleitoral, vire um prato cheio para a oposição. Mas esta mesma oposição pode ver refrear seus argumentos diante de uma ação decisiva do governo no sentido de depurar definitivamente a polícia, inclusive com o auxílio de informações que uma CPI tem condições de levantar. Fato é que a população não está apenas cansada de tantos abusos. A avalanche de votos brancos e nulos nas eleições é o sinal mais claro de uma descrença também na própria democracia. Neste crucial momento, incumbe aos políticos a decisão capaz de modificar o quadro e de restaurar a confiança da população nos seus dirigentes e na capacidade da democracia de ser, efetivamente, a solução para todas as dificuldades. O corporativismo entre os políticos e o uso de artimanhas para evitar a fiscalização efetiva em relação à corrupção que parece campear por toda parte, é um verdadeiro câncer a corroer a sociedade. As dúvidas que surgem, alimentadas por uma ação tíbia de deputados e vereadores, solapam as bases de sustentação da própria democracia. Uma atuação séria dos representantes do povo na defesa das instituições e na investigação e punição exemplar dos corruptos, é imperativa para que se restaure a confiança dos brasileiros nos que o governam em todos os níveis.