A aguda polarização política que atingiu o Brasil nos últimos anos foi responsável por um fenômeno perturbador, a politização da pandemia. Desde que a doença foi oficialmente registrada em solo brasileiro, percebe-se que a Covid-19 saiu definitivamente da discussão médica e migrou para o cenário político.

Não é surpresa, então, que a polarização e a politização chegassem a um novo patamar, o desenvolvimento da vacina contra a doença causada pelo novo coronavírus. Um exemplo claro dessa politização foi acompanhado ao vivo e em tempo real nos últimos dois dias. Na terça-feira (20), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou que o governo federal compraria 46 milhões de doses da CoronaVac, em desenvolvimento pela empresa chinesa Sinovac com o Instituto Butantan. Um acordo nesse sentido havia sido firmado entre o Butantan e o Ministério da Saúde.

Mas após repercussão negativa de seus apoiadores nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro mandou que o Pazuello voltasse atrás no anúncio feito em reunião com governadores e dissesse que a compra das doses de CoronaVac não será concretizada.

Por trás desse recuo do governo federal está o fato de que a CoronaVac está sendo desenvolvida com o governo de São Paulo de João Doria, um dos prováveis adversários de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2020. Acrescenta-se a esse fator a ideia anti-China propagada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, seguida por Bolsonaro. “A vacina chinesa, não!”, escreveram muitos apoiadores do presidente do Brasil nas redes sociais.

O governo federal também está apostando em uma vacina, a que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a AstraZenec. Tanto que o executivo já investiu R$ 1,9 bilhão para a compra de 100 milhões de doses do imunizante inglês, produto ainda em fase de teste, como a CoronaVac.

A Embaixada da China se manifestou nesta quarta-feira (21) sobre o cancelamento do protocolo firmado entre o governo federal e o Butantan dizendo que o país asiático tem o compromisso de transformar imunizações contra a Covid-19 em bem público global.

Cloroquina e Ivermectina já foram polêmicas. Mas a bola da vez nas discussões polarizadas das redes sociais é mesmo a vacina contra a Covid-19, seja no aspecto da obrigatoriedade, seja por conta da nacionalidade ou ainda por disputas políticas.

No Brasil, há 5 milhões de casos acumulados e 150 mil mortos pela Covid-19. O gigantismo desses números que ainda não estabilizaram grita para que o interesse público se sobreponha a origem da vacina ou a sua nacionalidade. O importante é a aprovação do produto pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) após a comprovação da eficácia e segurança. A incorporação de uma vacina no PNI (Programa Nacional de Imunização) precisa seguir essa premissa.

Após sete meses de pandemia no Brasil e uma segunda onda de casos já atropelando a Europa, não se pode admitir que princípios pessoas ou convicções ideológicas coloquem em risco o controle da Covid-19 no Brasil.

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