Editorial - A hora da verdade
PUBLICAÇÃO
sábado, 08 de novembro de 1997
São irreconciliáveis os interesses demagógico-eleitoreiros de muitos políticos com as necessidades de contenção de despesas, neste momento uma prioridade urgente do Governo em todos os níveis - federal, estadual e municipal - e em todos os Poderes. A má-vontade e a displicência já se fazem notar, pelas reações ao anúncio oficial de cortes no orçamento da União, para fazer frente à emergência que veio da Ásia e abalou o mundo. O discurso dos políticos, notadamente os detentores de mandato, tem dois tons: num, elogiam as medidas anunciadas; no outro, uma oitava abaixo, resmungam que já estão prejudicados pela lei Kandir e nada poderão fazer, até porque o ano que vem é eleitoral e como poderiam fazer campanha com cortes?
Ora, há aqui mais ficção do que realidade. Se os governantes, por exemplo, não cortarem as despesas, vão inviabilizar o último ano de suas gestões e assim ficarão em situação muito pior diante do eleitorado. O que todos devem fazer é gastar melhor o pouco que restar. Aliás, é bom notar que governo nenhum deve gastar mais do que arrecada. Fazer isso dá cadeia em outros países. E no Brasil a regra é o contrário. Os déficits orçamentários não assustam nenhum governante, salvo raríssimas exceções. O negócio é gastar, ainda que não haja sequer como pagar a conta.
É famosa a filosofia de um antigo político do norte paranaense, várias vezes eleito prefeito de seu município. Revelava ele que tinha, nos seus mandatos, uma norma: nos primeiros dois anos, pagava as dívidas deixadas pelo antecessor; nos dois últimos, fazia dívidas para seu sucessor pagar. E deste modo, lá como em toda parte, foram se acumulando os déficits, numa sequência que, bem observado, é verdadeiramente criminosa. Mas como nunca se ouviu falar que algum prefeito, governador ou presidente brasileiro tenha sido punido por gastar mais do que arrecada ou por deixar dívidas para os sucessores, a prática persiste.
Já passou da hora de se encarar a coisa pública de outra maneira. Não se pode mais aceitar o modo irresponsável daqueles que usam do dinheiro público como se fosse particular, que compram votos e consciências com verbas orçamentárias, que não têm qualquer senso na despesa, agindo como se tivessem recursos infinitos à disposição, fazendo dívidas para que outros paguem. No fim, quem paga tudo, quem sofre todos os efeitos, é sempre o povo, que deveria ser a principal preocupação dos governantes, mas só é lembrado em época de eleições. E, mesmo assim, faz-se o possível para enganá-lo com promessas mirabolantes, com gastos estúpidos, com mais mentiras.
A conta está alta demais. A dívida interna brasileira já é maior que a dívida externa, que nos assombrou nas décadas de 70 e 80. Hoje, soma apenas a metade, ou pouco mais, da dívida interna, que cresce desenfreadamente. Isto não pode continuar, sob pena de um dia levar todo o País a uma situação sem remédio.
A população brasileira tem mostrado que evoluiu muito, aprendeu com os anos de sacrifícios e se tornou a grande responsável por boa parte do sucesso do atual programa de estabilização. Mas muitos governantes e parlamentares não parecem ter-se sensibilizado para a nova realidade e persistem em uma prática abusiva e lesiva aos interesses coletivos.
Os políticos precisam, neste momento, se adequar à realidade e mudar seu procedimento. A população exige de seus governantes uma postura mais responsável. É chegada a hora de se acertar as contas públicas. Se isto não for feito, o preço que pagaremos será muito alto. O eleitorado brasileiro amadureceu. Não vai se deixar enganar por políticos irresponsáveis.