O ‘‘culto à personalidade’’, frase cunhada no congresso de 1956 do Partido Comunista da União Soviética para designar o endeusamento de Joseph Stalin e seu estilo de governo autoritário e personalista – teve uma vigência demencial, antes e depois do caudilho soviético, em várias épocas e lugares. Francisco Franco Bahamonde se intitulava ‘‘Caudilho da Espanha pela Graça de Deus’’, ‘‘Generalíssimo dos Exércitos’’, ‘‘Supremo Caudilho do Movimento’’, ‘‘Chefe da Cruzada’’, ‘‘Autor da Era Histórica onde a Espanha Adquire as Possibilidades de Realizar seu Destino’’.
Os barrocos títulos do ditador dominicano Rafael Leonidas Trujillo Molina caíram no mais espantoso ridículo: ‘‘Generalíssimo e Doutor’’, ‘‘Benfeitor da Pátria’’ e ‘‘Pai da Pátria Nova’’. Seus esbirros costumavam referir-se à mãe do tirano como a ‘‘Matrona de Ventre Privilegiado’’.
Jean Bedel Bokassa – que reinou na República Centro-Africana durante 14 anos de assassinatos, canibalismo e atrocidades – proclamou-se sucessivamente marechal, presidente vitalício e imperador. Também se declarou apóstolo e santo. E na cerimônia de sua coroação como imperador, em 4 de dezembro de 1977, ele usou uma capa de arminho e uma grande águia imperial atrás, com música de Mozart e toque de tambores.
Joseph Desiré Mobutu, com 32 anos de exercício onímodo do poder no Zaire, ostentava o título de ‘‘Todo-Poderoso Guerreiro que Graças à sua Resistência e Inflexível Vontade de Vencer irá de Conquista em Conquista Deixando atrás de si uma Esteira de Fogo’’, mas, também gostava que o chamassem de ‘‘Timoneiro’’, ‘‘Redentor’’, ‘‘Messias’’, ‘‘Guia e Pai da Revolução’’, em sua corte de opereta.
O Déspota de Bagdá, Sadam Hussein, em exercício onímodo desde 1979, cujos retratos fazem parte da paisagem urbana e rural do Iraque, inventou um ‘‘plebiscito’’ em 1995 para perguntar ao povo se desejava ou não sua permanência no comando. A autoridade eleitoral informou que 99,96% dos eleitores votaram a seu favor e que apenas 3.052 pessoas, num total de 8.375.560 votantes, disseram ‘‘não’’. Como previamente o ditador havia criado por decreto a mais alta condecoração – denominada a ‘‘Grande Ordem dos Dois Rios’’ – para o ‘‘vencedor do referendo presidencial’’, autoconcedeu-se a medalha numa vistosa cerimônia.
Com os dois líderes da Coréia do Norte, o pai e o filho, aconteceu o mesmo. Kim Il-Sung, morto em julho de 1994, que governou seu país por 46 anos como chefe de Estado e do partido comunista, foi sucedido por seu filho Kim Jong Il. A herança incluiu o culto à personalidade. O pai mandou construir, em sua própria homenagem, um gigantesco monumento com sua esfinge e se fazia chamar por seus súditos de ‘‘Grande e Bem-Amado Líder’’, ‘‘Herói da Resistência Contra os Japoneses’’, ‘‘O Maior Guerreiro de Todos os Tempos’’, ‘‘O Melhor Patriota de Todas as Eras’’. Foram compostas odes em sua honra. O temor e a adulação não conheciam limites. Em 1986, ele designou como sucessor o seu filho primogênito, Kim Jong Il, membro da dinastia dessa extravagante e inédita ‘‘monarquia marxista’’ que é um dos últimos enclaves do estalinismo depois da queda do Muro de Berlim.
Os ditirambos e as hipérboles não são suficientes para endeusar o jovem frívolo e improvisado governante Kim Jong Il. É ‘‘o maior entre os grandes do século XX’’ e por isso ‘‘é adorado como o sol’’, dizem seus seguidores. Todo dia 15 de abril, data em que nasceu ‘‘O Grande Líder do Povo Coreano’’, celebra-se o Pyongyang, a ‘‘Festa do Sol’’. ‘‘Seu pensamento, sua capacidade de dirigir e personalidade são tão imensos e sagrados que só podem ser comparados com o sol’’, li há pouco em um documento oficial do governo norte-coreano.
Mas o atraso e a fome de seu povo, causados principalmente pelos absurdos gastos bélicos em tecnologia nuclear, mísseis balísticos e indústria aeronáutica, empreendidos demencialmente pela dinastia, obrigaram o ‘‘amado chefe’’ a promover uma reunião, acima do paralelo 38, com o líder da Coréia do Sul, Kim Dae Jung, com o indisfarçável propósito de obter cooperação econômica, depois de 55 anos de hostilidade militar desde o armistício assinado em 1953, que pôs fim à guerra da Coréia e impôs uma precária paz.
Pela proliferação de armas nucleares e mísseis na Coréia do Norte e o acantonamento de fortes tropas norte-americanas na Coréia do Sul, a península coreana foi, sem dúvida, um dos pontos potencialmente mais inflamáveis do Planeta na era pós-guerra fria. Daí que este primeiro passo rumo à distensão é uma boa notícia para o mundo.
- RODRIGO BORJA foi presidente do Equador no período 1988-92, doutor honoris causa pela Sorbonne de Paris e pelas universidades de Buenos Aires, San Andrés da Bolívia e North Carolina (IPS)